Escrito por: ALMG
Apesar de empresário de call center garantir isenção no trato com a estatal, deputados suspeitam de cerco partidário
Uma empresa a serviço de um partido político. Essa suspeita é o saldo de mais um depoimento prestado, na tarde da segunda-feira (8), à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) criada para investigar possíveis irregularidades na gestão e o uso político da Companhia Energética do Estado (Cemig).
Desta vez, os deputados interrogaram o fundador da empresa de call center AeC Centro de Contatos, Antônio Guilherme Noronha Luz, cujos supostos contatos políticos com o Partido Novo, o mesmo do governador Romeu Zema, teriam possibilitado que ela siga prestando serviços à estatal, mesmo tendo perdido licitação para o mesmo fim no início do ano passado.
Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião. CLIQUE AQUI
A previsão era de que outros dois diretores da AeC prestassem depoimento, mas o empresário pediu para substituí-los, o que foi aceito pelos deputados. Logo no início da reunião, o presidente da CPI da Cemig, deputado Cássio Soares (PSD), colocou requerimento com esse objetivo em votação, que foi aprovado pelos colegas.
Contudo, o empresário parece não ter conseguido convencer os deputados de que não houve ingerência política na subcontratação da AeC pela multinacional de tecnologia IBM, também contratada sem licitação pela Cemig no início de 2021.
Cemig subcontratou serviço de call center mais caro
Interrupção - Além de titubear em revelar os valores recebidos por sua empresa, o que levou a reunião a ser interrompida para que as informações pedidas fossem apuradas, ele tentou, sem muito sucesso, isentar a atual direção da Cemig de qualquer favorecimento.
“Meu contrato é com a IBM”, repetiu várias vezes o depoente, que, questionado pelo relator da CPI, deputado Sávio Souza Cruz (MDB), admitiu ter feito doação de R$ 50 mil para o Partido Novo na campanha de Romeu Zema em 2018 para governador.
Ele também era sócio na AeC de Cássio Azevedo (já falecido), ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do governo Zema.
“O Cássio era meu sócio há 30 anos e meu amigo desde os 14 anos de idade. Em dezembro de 2019, ele me disse que sairia da gestão da empresa para ir para a política. Foi uma decisão pessoal dele, que eu respeitei. Disse a ele que então continuaria cuidando da nossa empresa”, relatou Antônio Noronha.
Ligação umbilical
Mas, segundo o apurado até o momento pela CPI, a ligação umbilical com o Partido Novo valeu à AeC até mesmo a interferência direta do atual presidente da Cemig, Reynaldo Passanezi Filho, para que “se encontrasse uma forma” de manter o contrato com a empresa de call center, que se encerraria em fevereiro de 2020, apesar de não ter vencido a licitação.
CPI apura envolvimento de partido na gestão da Cemig
Essa revelação foi feita por João Polati Filho, ex-diretor-adjunto de Suprimentos, Logística e Serviços Corporativos da estatal, em depoimento à CPI. O presidente da Cemig teria ordenado ao subalterno para “encontrar uma forma” de manter a AeC porque a diferença de propostas na licitação era de apenas R$ 500.
Contudo, de acordo com o depoente, foi o próprio João Polati que teria pedido a prorrogação do contrato por mais 12 meses, ainda em outubro de 2019 - quando Cássio Azevedo ainda não era secretário de Estado e o presidente da Cemig era outro -, para que o atendimento telefônico aos clientes da Cemig não fosse descontinuado.
Sem aviso
No entanto, ao responder a questionamento de Sávio Souza Cruz, o empresário admitiu que a direção da Cemig, diante da conclusão da licitação vencida por outra empresa, nunca comunicou formalmente à AeC a intenção de encerrar o vínculo. “Nunca houve por parte da direção da Cemig a intenção de respeitar processo licitatório e não é difícil imaginar as razões”, apontou o relator.
“Não temos dúvidas da competência da AeC, mas a Audac (empresa que venceu a mesma licitação) já estava preparada para assumir o contrato e não pôde fazer isso por uma opção politica da direção da Cemig de privilegiar quem perdeu. É isso que a gente investiga aqui, o uso de critérios subjetivos para conceder privilégios para os amigos do governador e do seu partido”, completou a deputada Beatriz Cerqueira (PT).
Cemig pagou mais caro, via IBM, para subcontratar empresa
Sávio Souza Cruz ainda confrontou o depoente com a informação apurada pela CPI de que a prorrogação excepcional do contrato por mais 12 meses custou cerca de R$ 31 milhões aos cofres da Cemig, custo médio de R$ 2,5 milhões por mês, aproximadamente R$ 140 mil mensais a mais do que seria pago à vencedora da licitação, a Audac, se ela tivesse recebido a autorização para iniciar a prestação de serviço de call center.
E a prorrogação excepcional de contrato passou a ter prazo indeterminado quando, em fevereiro deste ano, a mesma AeC foi subcontratada pela IBM dias depois de a multinacional ter sido também contratada sem licitação pela direção da Cemig, por R$ 1,1 bilhão e pelo prazo inédito de dez anos.
Inicialmente, o depoente disse não saber o valor que sua empresa recebe mensalmente da IBM para atender os clientes da Cemig. “Eu posso afirmar que o senhor levou vantagem porque o valor do seu contrato com a IBM é superior e mais vantajoso do que o contrato que a AeC tinha com a Cemig”, ressaltou Beatriz Cerqueira.
Hora logada
Pressionado pelos deputados e depois de uma breve interrupção da reunião, o empresário finalmente informou que a AeC recebe atualmente R$ 24,64 pela chamada "hora logada", em 482 pontos de atendimento. Segundo o vice-presidente da CPI, deputado Professor Cleiton (PSB), o valor é superior ao proposto pela Audac, de R$ 23,58, com evidente prejuízo para os interesses da Cemig.
O depoente revelou que seu contrato com a IBM é renovado de três em três meses e que são necessários de quatro a seis meses para efetivar uma transição segura para um novo prestador do mesmo serviço, o que indicaria, na avaliação dos deputados, que não há nenhuma intenção da atual direção da Cemig, que dá seu aval à subcontratação, de trocar a empresa.
“O senhor pode ficar tranquilo que seu contrato é garantido porque a Audac, mesmo tendo investido milhões para treinar seu pessoal e assumir o call center, nunca recebeu autorização. No momento, a única empresa que consegue prestar esse serviço para a Cemig é a própria AeC, e eles não parecem ter nenhuma intenção de mudar. Nós sabemos bem o porquê”, criticou Professor Cleiton.
Parceria estratégica teria virado artifício para fugir de licitações
A “parceria estratégica”, termo cunhado pela atual direção da Cemig para justificar o contrato assinado com a IBM Brasil sem licitação, também está na mira dos deputados da CPI. “É um contrato tão grande que a Cemig não precisa licitar mais nada nunca mais. Basta colocar tudo debaixo do contratão da IBM”, ironizou Sávio Souza Cruz.
Saiba mais, ACESSE:
Deputados da CPI fecham o cerco contra uso político da Cemig
Presidente da Cemig teria pressionado para mudar licitação
“É a terceirização da terceirização”, definiu Cássio Soares. “É a quarteirização”, emendou Professor Cleiton.
O acordo foi assinado em 12 de fevereiro de 2021, após receber também o aval do Conselho de Administração da Cemig. A IBM Brasil teria sido contratada para prestar consultoria em transformação digital e implementar um modelo integrado de atendimento aos clientes, conhecido como omnichannel. Contudo, segundo o apurado pela CPI, falta à multinacional a expertise necessária no atendimento humano, como é o caso do call center.
Economia
Por outro lado, o deputado Zé Guilherme (PP) apontou que as inovações a serem implantadas pela IBM Brasil possibilitará uma economia final à Cemig de R$ 500 milhões ao longo dos dez anos da parceria, justamente pela eliminação de outros contratos e pela automatização dos serviços.
“Estamos com dificuldade aqui nessa CPI de aceitar o novo. O atendimento da Cemig era ruim e ainda precisa melhorar, mas antes a Cemig pagava por atendimento mesmo que o problema do cliente não fosse resolvido. O taxímetro ficava ligado o tempo inteiro, mas agora isso mudou”, comparou o parlamentar.
História
Respondendo a perguntas do deputado Zé Reis (Pode), o empresário Antônio Noronha ainda apresentou alguns dados sobre a atuação da AeC no setor de atendimento humano. Fundada em 1992, ela emprega atualmente 35 mil pessoas em várias cidades do Brasil, mas mantém sua sede administrativa em Belo Horizonte.
“Mesmo com a pandemia, que criou inúmeras dificuldades para o nosso setor, não demitimos ninguém e ainda criamos mais dez mil postos de trabalho”, ressaltou o empresário.