Escrito por: Rogério Hilário, com informações do Brasil de Fato MG
Aos gritos de “Fora, Zema”, “Se votar, não volta”, grevistas e apoiadores ocuparam todos os espaços da Assembleia Legislativa contra a adesão de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal
Em um dia histórico, milhares de servidoras e servidores públicos, de diversas categorias, convocados por dezenas de sindicatos, associações e a Frente Mineira em Defesa dos Serviços Públicos deram uma demonstração de unidade em torno da defesa do funcionalismo e da prestação de serviços públicos de qualidade, nesta terça-feira, 7 de novembro, deflagrando greve geral. Aos gritos de “Fora, Zema”, “Se votar, não volta”, grevistas e apoiadores ocuparam todos os espaços da Assembleia Legislativa contra a adesão de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal. A mobilização comprovou, ainda, que o governador Romeu Zema conseguiu uma façanha inédita: unir todo o funcionalismo contra o seu projeto de governo.
No final da tarde, outra vitória: servidoras e servidores, que acompanharam a análise do RRF pela Comissão de Administração Pública, pressionaram deputadas e deputados e a reunião foi adiada para esta quarta-feira (8). Como a pressão continuou nesta quarta-feira e os deputados Beatriz Cerqueira (PT), Professor Cleiton (PSB) e Sargento Rodrigues (PL) fizeram forte obstrução, as proposições foram retiradas de pauta e nova audiência marcada para tarde desta quinta-feira (9).
O plano do governador Romeu Zema (PL 1.202/19), que tramita na ALMG, prevê o congelamento de salários por pelo menos nove anos, a suspensão da realização de concuros públicos, a retirada de direitos de servidoras e servidores, com novas reformas administrativa e previdenciária. Além disso, o projeto do governo inclui privatização de estatais como justificativa para pagar a dívida com a União, hoje de aproximadamente R$ 160 bilhões. O RRF é um “Teto de Gastos” para tentar pagar a dívida pública. Ele diminui investimentos em educação, saúde e segurança pública. Regime de Recuperação Fiscal de Zema precariza os serviços públicos e não resolve o problema fiscal do Estado, como até mesmo o secretário de Estado da Fazenda, Luiz Cláudio Gomes admitiu em uma audiência pública.
Manifestantes e grevistas comprovaram, durante as atividades que, ao contrário do que Zema vem alardeando, o Estado não está nos trilhos. Pelo contrário, a dívida de Minas Gerais, aumentou em mais de 50 bilhões nos últimos cinco anos. Mas Zema elevou seu salário e dos seus secretários em 298%, isentou financiadores da sua campanha de impostos, não cuidou das estradas, não cumpriu acordos com funcionalismo, não realizou um reajuste do piso do professor. Agora quer impor o caos aos mineiros e ao Estado através do RRF: privatizando as empresas do Estado (como Cemig, Copasa, Codemig), limitando investimentos nos municípios, sucateando serviços públicos, congelando os salários dos servidores por nove anos. E quem vai pagar a dívida com a união é o povo mineiro.
Durante as atividades, que duraram o dia inteiro, manifestantes e grevistas, organizados pela Frente Mineira em Defesa dos Serviços Públicos contaram com o apoio da Central Única dos Trabalhadores de Minas Gerais (CUT/MG), outras centrais, e de entidades que representam trabalhadoras e trabalhadores dos serviços públicos federal e municipal e do setor privado. Grevistas e manifestantes se concentraram em frente à portaria principal da Assembleia pressionaram deputadas e deputados a votar contra o plano de Zema. Também participaram de uma audiência pública sobre os impactos do RRF nos serviços públicos, da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia.
No início da tarde, realizaram uma assembleia geral unificada, coordenada por Denise de Paula Romano, coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE/MG), que aprovou o Calendário de Lutas, que teve como um dos encaminhamentos nova mobilização, com paralisação de atividades, na próxima terça-feira (14), quando ocorre nova audiência da Comissão de Administração Pública com a participação do secretário de Governo, Gustavo Valadares; da secretária de Planejamento e Gestão, Luísa Barreto; e do secretário da Fazenda, Luiz Cláudio Gomes. Outra ação aprovada o indicativo de uma Nova Greve Geral do Funcionalismo Público no dia na votação, em plenário, do RRF.
No dia 17, programado um debate público na ALMG sobre a situação das universidades mineiras, que enfrentam a retirada de recursos e o sucateamento e, no dia 20, em comemoração ao Dia da Consciência Negra, manifestações ocorrerão em toda Minas Gerais, envolvendo também a solidariedade ao povo palestino e ao povo do Haiti.
Durante a assembleia, foi referendada a Frente Mineira em Defesa dos Serviços Públicos e foram homenageadas parlamentares que vêm sendo vítimas da violência política de gênero. As deputadas estaduais Andrea De Jesus, Beatriz Cerqueira, Bela Gonçalves, Macaé Evaristo, Leninha e Ana Paula Siqueira; e as vereadoras Iza Lourença e Cida Falabella sofrem os constantes ataques pessoais, com ameaças de estupros coletivos e de morte.
Além da proposta de RRF, funcionalismo público e apoiadores protestaram contra a PEC 24/2023 (PEC do Cala Boca), que também tramita na ALMG. E é um ataque à democracia pois propõe o fim do referendo popular previsto na Constituição Estadual para a privatização de empresas públicas. O governador Romeu Zema quer facilitar a venda do patrimônio do povo mineiro, que será prejudicado com a precarização da prestação de serviços públicos e com o reajuste de tarifas. Além disso, a PEC reduz a exigência legal de quórum de votos de três quintos dos deputados estaduais para aprovação da entrega das empresas públicas à iniciativa privada. A retirada do referendo é um retrocesso, já que extingue um direito constitucional.
Rogério Hilário
Grande levante
“A quebradeira do Estado só vale para a gente, servidores públicos, não se aplica quando vimos aqui o governador aumentar o próprio salário em 300% e aumentar os impostos para os pobres porque havia isentado uma dívida de uma locadora – R$ 1,2 bilhão. Governo quebrado não pode abrir mão receitas, dar incentivos fiscais que, em cinco anos, alcançaram R$ 45 bilhões. Nós sabemos que o RRF não resolve nada, a dívida vai aumentar. Hoje, dia de uma greve geral, que construímos coletivamente, pela Frente Mineira em Defesa dos Serviços Públicos, temos muitas categorias paralisadas e outras mobilizadas. Isso é inédito, nunca aconteceu em Minas Gerais uma organização tão ampla e tão grandiosa dos serviços públicos. O RRF não vai acontecer em Minas Gerais, porque os servidores públicos organizaram um grande um grande levante contra o plano. Juntos, unidos e organizados vamos derrotar o Regime de Recuperação Fiscal. Esta mobilização histórica é o início do fim deste governo que quer vender tudo como se fosse uma grande loja de departamentos ”, disse Denise de Paula Romano.
Jairo Nogueira Filho, presidente da CUT/MG, enfatizou que a greve conseguiu unificar todo o funcionalismo público, em um momento histórico, contra um regime que vai destruir Minas Gerais. “Construímos um dia histórico. Nunca antes na história de Minas Gerais tivemos um movimento como de hoje, 7 de novembro de 2023. Nós fazemos parte da história do que está acontecendo aqui. O simbolismo da mística que foi feita antes, as nossas bandeiras colocadas aqui. E a mística desta mesa. Temos juntos educação, saúde, segurança pública em uma assembleia contra um governo que tenta nos destruir. É importante que fiquemos atentos ao que Zema pretende com o Regime de Recuperação Fiscal. O plano não é só contra os servidores públicos. Ele é contra os serviços públicos. Porque quando fala em congelamento de salários, que não vai ter concursos públicos, ele está congelando também o que temos de serviços públicos”, alertou.
“O mais grave é que em nove anos a população vai aumentar e o envelhecimento crescerá na mesma proporção. Vamos precisar de mais serviços públicos e não teremos se este regime for aprovado na Assembleia”, afirmou o presidente da CUT/MG. “No projeto de Zema, o RRF está associado às privatizações da Cemig e da Copasa e outras empresas públicas. Ele quer entregar empresas lucrativas para seus amigos. Temos exemplos muito claros dos riscos que corremos. O Rio de Janeiro aderiu ao RRF. E nós vemos o caos que está lá. Como resultado da privatização de uma companhia de energia elétrica, em São Paulo, estamos vendo irmãs e irmãos no Estado mais rico do Brasil no escuro. São 500 mil pessoas sem energia elétrica, por causa das chuvas. Por que está acontecendo isso? Ora, na cartilha da privatização está o corte de pessoal. Demitiram 40% de trabalhadoras e trabalhadores. Não investiram em manutenção e só aumentaram a tarifa. E nós não queremos isso aqui em Minas Gerais. A nossa unidade é vai derrotar o RRF. Este dia histórico é o início da derrubada do governo Zema.. E vamos conseguir um novo Estado para o povo mineiro.”
Medo do povo
“Esta assembleia é histórica. Mas é a primeira das muitas que o funcionalismo vai realizar se essa Assembleia Legislativa aprovar o RRF. Nós temos que pressionar cada deputado e cada deputada para que votem contra o regime. Porque se votarem a favor eles não voltam para cá. Nós dos trabalhadores dos Correios e da LPS não só nos solidarizamos com a greve das categorias, mas estamos ombro a ombro, porque se não houve a luta eles vão tratorar todo mundo. Parabenizo cada uma e cada um que se dispôs a vir aqui para a gente enfrentar de frente este governo. Que dá benefício fiscal para os amigos, que libera a mineração para destruir a Serra do Curral. Fora Zema”, disse Robson Silva, presidente Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Correios, Telégrafos e Similares do Estado de Minas Gerais (Sintect/MG).
“Pessoal, é disto aqui que Zema tem medo. É dessa união, é dessa mobilização. O projeto do governo Zema é muito claro: é destruir o nosso Estado. Mas para isso ele precisa municipalizar as escolas, aprovar o RRF e depois privatizar as empresas públicas. De maneira estratégica, ele tira as privatizações da pauta do RRF. Mas em paralelo cria a PEC 24, a PEC do Cala Boca, do medo do povo. Ele quer tirar o nosso direito de nos manifestar sobre a venda das estatais mineiras, seja Copasa, Cemig, Gasmig ou Codemig. Porque ele sabe que o povo é contra as privatizações e também é contra a destruição dos serviços públicos. E por isso que estamos aqui, lutando contra o RRF. Nós juntos não deixaremos passar o RRF e as privatizações”, afirmou Eduardo Pereira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais (Sindágua).
“Trabalhadoras e trabalhadores juntos aqui atuando juntos com a mesma voz contra este desmonte promovido pelo governo Zema. Sou empregada pública e estou aqui representando a comunicação pública de Minas, funcionários da TV Minas. Todo o serviço público tem sofrido com o arrocho salarial, com as perseguições, com os assédios. A gente vivido isso na pele, vivenciados juntos. E como já não estivesse ruim agora ainda pode piorar com este RRF. É muito bonito, fico muito feliz de ver todo mundo aqui, lutando juntos, cantando juntos. Porque é disso que a gente precisa, desta demonstração de união, de força. Mostrar que o mineiro não está feliz. Este segundo mandato de Zema vai ser um governo de rejeição”, protestou Lina Rocha, presidenta do Sindicato dos Jornalistas Profissionais (SJPMG).
Enganação
A presidenta da Associação dos Auditores Fiscais do Estado de Minas Gerais (Affemg), Sara Felix ressaltou que a greve é resultado do esclarecimento dos servidores sobre a enganação que o RRF representa. “Esse regime de recuperação fiscal não resolve nada, na realidade. Ele é um regime de destruição da condição fiscal do estado”, lamenta.
Para ela, a solução para a situação econômica do estado é política e, portanto, é preciso que o governo de Minas Gerais dialogue com o governo federal para que seja possível chegar a um ponto de solução que preserve o Estado.
Eduardo Couto, presidente do Sindicato dos Servidores da Justiça do Estado de Minas Gerais (Serjusmig), acredita que é um equívoco chamar o projeto do governo Zema de “regime de recuperação fiscal”. “Ele não recupera as finanças do estado, mas sim faz um re-endividamento”, pondera.
O sindicalista cita o exemplo do estado do Rio de Janeiro, que aderiu ao RRF em 2017. Durante a vigência do regime, a dívida do estado saltou de R$ 132 bilhões para R$ 151 bilhões, crescendo mais de 14%. “Nós defendemos que seja feita uma auditoria para a ‘suposta’ dívida de Minas Gerais, porque ela tem origem duvidosa. Especialistas defendem que ela já foi paga de duas a três vezes. Mas, para isso a gente precisa de um líder, e infelizmente não existe um no governo estadual”, argumenta.
Eduardo também lembra que a greve é para reforçar a importância das estatais como um patrimônio do povo mineiro. “Nós somos contra as privatizações. Água não é mercadoria, a água é um bem essencial, e energia é um bem estratégico”, reafirma.