Escrito por: Brasil de Fato Minas Gerais
Denúncia dos retrocessos ao serviço de saúde mental e ao Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos objetivos do protesto
A luta antimanicomial ocupou às ruas de Belo Horizonte na tarde desta quinta-feira, 18 de maio. O Dezoitão (Dia Nacional da Luta Antimanicomial) foi construído entre os dispositivos públicos que compõem os fóruns de direitos humanos e defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) em Minas Gerais. Entre as pautas o direito à liberdade e a importância do financiamento para os serviços substitutivos.
O desfile atemporal da escola de samba “Liberdade Ainda que Tam Tam” marcou em Belo Horizonte, em mais um ano, a data de 18 de maio como o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Com o tema “Plantando esperança, reflorestando o amanhã: pessoas são para dar frutos doces e tantans”, a manifestação artística aconteceu na tarde desta quinta-feira, com cortejo da Praça da Liberdade até a Praça da Estação.
O ato foi um autêntico desfile carnavalesco com fantasias, alas, pequenos carros alegóricos e samba-enredo. Tudo é criado pelas usuárias e usuários dos serviços de saúde mental de Minas Gerais, familiares e trabalhadores da rede. O samba-enredo do ano, “O pulo do cavalo azul ninguém cancela”, foi criado pelo Centro de Convivência Barreiro.
Os nomes das alas deste ano trouxeram alguns recados da luta antimanicomial: “O povo que não conhece sua história está condenado a repetir o passado e a feiura do manicômio”, “Dê-lírios: nada de nós sem nós”, “Das favelas aos ianomâmis, seu ancestral é uma criança”, “Espinhos pelo caminho, ervas daninhas pelo chão: redução de danos é ética de cuidado em liberdade. Proibicionismo é morte e destruição” e “Sem anistia, sem milico: não arredar o pé da luta, buscar no fundo da loucura a semente da liberdade”.
A denúncia dos retrocessos ao serviço de saúde mental e ao Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos objetivos do protesto.
Tratamento em liberdade
Há 30 anos, o movimento antimanicomial – pelo fim dos hospícios e pelo tratamento em liberdade – começou a revolucionar a lógica de tratamento na capital mineira, ao inserir a arte e os serviços de “muros abertos”.
Os médicos, psicólogos e profissionais da área continuaram a atender, mas agora ao lado de centenas de monitores artísticos. No lugar dos manicômios, foi construída uma rede de atendimento que fornece acompanhamento psicológico, oficinas, abrigamento, distribuição de remédios e internações quando necessárias. A pessoa continua trabalhando e vivendo com a família, e pode acessar os serviços quando e quantas vezes precisar.
Formou-se assim a Rede de Atenção Psicossocial (Raps), que integra o SUS, fruto da Reforma Psiquiátrica no país. Com a inclusão da arte, Belo Horizonte se tornou referência no tratamento da loucura. Centros de convivência se transformaram na “casa” de usuários e ampliaram em 50 vezes o número de locais de atendimento.
A escola de samba “Liberdade ainda que tam tam” é a maior manifestação artística antimanicomial do país e acontece desde 1996.
Cenário de retrocessos
O contexto político brasileiro influenciou o caminho dos serviços de saúde mental. Em 2017, já com o governo de Michel Temer (MDB), a portaria 3.588 do Ministério da Saúde dispôs importantes alterações na Rede de Atenção Psicossocial, fortalecendo a tendência à volta da internação massiva.
A portaria ainda não foi revogada e, na opinião de Lourdes Machado, presidenta do Conselho Estadual de Saúde (CES) de Minas Gerais, não deve ser tratada com indiferença.
“Sobretudo porque diz respeito à cidadania e à liberdade do cuidado para as pessoas em sofrimento mental e usuários em uso problemático de álcool e outras drogas”, argumenta. “O foco [da portaria] contraria a cronologia, os preceitos do modelo psicossocial e das reformas sanitária e psiquiátrica”, completa. Segundo Lourdes, a portaria foi editada “sem qualquer discussão prévia com o conjunto dos atores que atuam no campo no país, bem como sem a avaliação e aprovação do Conselho Nacional de Saúde”.
Plantando esperança, reflorestando o amanhã
A eleição de Lula para a Presidência da República, em 2022, deu nova expectativa ao movimento antimanicomial. Para Lourdes, são urgentes o fortalecimento e a sustentação da política pública de saúde mental, álcool e outras drogas, conforme a Lei 10.216, de 2001. Além disso, para ela, é necessário o aumento do incentivo financeiro aos serviços substitutivos e aos Centros de Convivência, além da revogação de portarias sobre atacam o tratamento antimanicomial.
Todo o cortejo é organizado pelo Fórum Mineiro de Saúde Mental (FMSM), pela Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental (Assussam) e pela Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila), com apoio do Conselho Regional de Psicologia (CRP-MG).