Escrito por: Rogério Hilário, com informações do MAB Nacional

Mobilizações em Minas em outros estados marcam um mês do crime da Vale

Em Belo Horizonte, ato ecumênico reúne atingidos do Rio Doce e do Rio Paraopeba

Rogério Hilário

Diante da ameaça de novas tragédias e crimes e da ausência de uma política confiável de segurança, populações atingidas e ameaçadas por barragens realizaram manifestações em diversos estados do país, e se solidarizam com as vítimas do crime da Vale em Brumadinho. Na segunda-feira (25) completou um mês do crime da Vale, decorrente do rompimento da barragem de Córrego do Feijão, na região de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG).

O dia começou com atos nas comunidades e no município de Brumadinho. No Parque das Cachoeiras moradores se reuniram desde cedo, em momento de solidariedade e união. Ao meio dia, uma celebração religiosa emocionou aos presentes. No Córrego do Feijão, os atingidos também realizaram uma celebração com homenagem ao Corpo de Bombeiros. Ao final da celebração foram soltos mais de 100 balões brancos aos céus. 

A cidade de Brumadinho também teve um dia cheio com caminhadas, debates, orações e rodas de solidariedade. No local a programação encerrou às 17 horas com falas de atingidos que clamam por justiça. 

Em Belo Horizonte, um ato ecumênico reuniu atingidos dos rios Doce e Paraopeba, além de entidades e organizações populares. Congonhas, cidade ameaçada por uma barragem de rejeitos realizou um ato com diversas entidades e organizações em apoio aos atingidos do crime da Vale em Brumadinho. Também foram realizados atos no Norte de Minas Gerais que denunciaram  o risco da contaminação do Rio São Francisco pela lama de rejeitos da Vale. 

Em Colatina, no estado do Espírito Santo, o bispo Dom Joaquim Wladimir presidiu missa em solidariedade às vítimas do crime de Brumadinho (MG). 

Santa Catarina (SC)

Na capital do estado, Florianópolis, foram realizadas atividades culturais e aulas públicas sobre as conexões entre os impactos causados pela construção de barragens em Minas Gerais e Santa Catarina. No fim do dia, atingidos organizaram uma plenária na Assembleia Legislativa de Santa Catarina tendo como tema central a segurança das barragens.

No interior do estado, em São Carlos, famílias atingidas também se reuniram em reflexão sobre as consequências e impactos da construção de barragens na região. No estado, ao todo são 177 barragens operando, sendo que 44 foram catalogadas como de “alto risco” pela  Agência Nacional de Águas (ANA), sete delas são de rejeito e as áreas ao redor são povoadas por milhares de pessoas. 

Segundo Rodrigo Timm, da coordenação estadual do MAB na região, a luta por segurança é primordial neste momento. “Nossa luta é pela informação. Não podemos aceitar que o poder público omita as informações sobre essas barragens. Esse é um direito fundamental”, aponta.
Rodrigo lembra ainda que no sábado houve um rompimento de barragem no interior de Taió, no Alto Vale do Itajaí. “Há poucos dias tivemos um caso de rompimento no estado, por sorte sem vítimas fatais, mas casas e propriedades rurais foram alagadas. Necessitamos urgente de informações mais claras, planos de emergências e planos de construções estruturais nessas áreas de riscos”, afirma.

Pará (PA)

Em Belém (PA), movimentos e entidades realizaram um ato inter-religioso. "Em clamor por justiça e solidariedade aos atingidos pelo crime da Vale em Brumadinho" na Praça do Operário. Além de pedir justiça para os crimes de Brumadinho e Mariana (MG), os manifestantes também lembraram do crime da Hydro Alunorte em Barcarena (PA). Em janeiro do ano passado, houve um vazamento de rejeitos da mineradora. Há cerca de 20 mil pessoas atingidas na bacia do Rio Pará e que até hoje não tiveram reparação suficiente.

No interior do estado movimentos sociais, estudantes, sindicatos e pastorais da Igreja fizeram um ato no centro da cidade de Altamira (PA). A caminhada também foi um grito de resistência contra o projeto da empresa canadense Belo Sun, que pretende instalar a maior mina de ouro a céu aberto do país na região da Volta Grande do Xingu, já atingida pela hidrelétrica de Belo Monte. O ato terminou com uma celebração inter-religiosa na orla do cais da cidade

Bahia (BA)

Na Bahia, cerca de 7 mil pessoas se mobilizaram nos atos em solidariedade às vítimas do crime da Vale em Brumadinho e em defesa do Rio São Francisco. Para Moisés Borges, do MAB, o balanço das ações é positivo. "Conseguimos realizar atos em várias cidades polo em várias regiões. Envolvemos setores religiosos, estudantes, movimentos sociais, sindicais, uma gama de sujeitos políticos, além do Legislativo e Executivo de vários municípios da Bahia, o que gerou uma grande projeção", destacou. 

As mobilizações se concentraram no Oeste e Norte do estado, além da capital. Em Juazeiro, a ação reuniu cerca de três mil pessoas que marcharam da Praça Dedé Caxias até o Vaporzinho. Já no Oeste baiano, os municípios de Bom Jesus da Lapa e Barrinha mobilizaram, respectivamente, 2.500 e 800, pessoas para denunciar a iminente contaminação do Rio São Francisco. Já em Salvador, cerca de 150 pessoas se reuniram na Praça Campo da Pólvora, num ato em que também estiveram presentes familiares de uma das vítimas. "Nós temos que nos unir contra os gananciosos, porque eles querem ganhar, ganhar e tirar a vida daqueles que estão ali para ganhar o pão de cada dia, como meu irmão", afirma Graziela Coutinho, irmã de Thiago Coutinho, uma das vítimas do crime.

Brasília 

Na noite desta segunda-feira (25) representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) participaram de um debate promovido pela Frente Brasil Popular do Distrito Federal. A atividade ocorreu no sindicato dos bancários e contou com a participação de lideranças de movimentos sociais, sindicais e parlamentares que denunciaram a impunidade do crime da Vale e cobraram indenização justa as famílias atingidas.

São Paulo (SP)

Duas atividades marcaram o dia de luta dos atingidos em São Paulo. Exatamente 12h28, na sede Bradesco da Avenida Paulista, importante centro financeiro da capital, integrantes do MAB e outras entidades parceiras - MTST - Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e Central de Movimentos Populares - tocaram a sirene de segurança em frente ao banco e jogaram na escadaria do prédio a água poluída do Rio Paraopeba como forma de protesto. Com uma faixa com a mensagem "O lucro não Vale a vida", 30 cruzes foram erguidas em homenagem às vítimas.

Na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, ocorreu a audiência pública "Barragens em São Paulo: estamos seguros?". O evento que contou com a presença de cerca de 150 participantes que debateram a problemática presente em diversos pontos do estado, além de compartilharam suas experiências lideranças das regiões do Vale do Ribeira, Baixada Santista, capital (bairro de Perus e extremo Sul) e da bacia do PCJ.

"Eu vi em Brumadinho que quem socorre o povo acaba sendo sempre o próprio povo, foram exemplos bonitos de humanidade e solidariedade, tive muito orgulho de participar deste trabalho lá e de poder sensibilizar as famílias da importância da organização social na garantia dos direitos", conta Ubiratã Dias, que representou o Movimento dos Atingidos por Barragens na audiência.

Dias, disse ainda que ”o crime de Brumadinho ajudou a lançar luz na situação dos atingidos por barragens e da segurança das barragens no país inteiro. Hoje estamos realizando essa assembleia e tentamos com ela chamar a atenção para a sociedade e o poder público sobre a situação das barragens no estado de São Paulo, que não possuem planos efetivos, claros e detalhados de como agiriam em caso de emergência. Então, isso mostra que estamos correndo riscos em São Paulo, que é um estado muito populoso o que aumenta o alerta”.

Barragens podem destruir vidas e territórios

A cada dia que passa novos elementos surgem para comprovar a negligência e imprudência da Vale, e a leniência de órgãos públicos diante do poder econômico da empresa. O lucro dos acionistas sempre esteve à frente da proteção da vida e do meio ambiente ameaçado por seus empreendimentos.

A repetição desse tipo de crime, pouco mais de três anos após a tragédia que abalou Mariana e o Rio Doce, deixa explícito que não há acidente. Foi lançada luz sobre um modelo de exploração dos nossos recursos naturais sem compromisso social e ambiental baseado em privatizações precárias,  regulação e fiscalização do setor público e nos interesses do capital financeiro.

Desde então, milhares de famílias em todo o Brasil foram alertadas para o risco, até então desconhecido, das barragens que podem destruir vidas e territórios inteiros em poucos segundos. 

Conforme o Relatório de Segurança de Barragens de 2017, existem cerca de 24.092 barragens cadastradas em 31 órgãos federais e estaduais de fiscalização, sendo que 76% tem falta de informações adequadas para definir se devem ou não ser enquadradas na Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB).

Conforme a Agência Nacional de Águas (ANA), cerca de 3.543 barragens haviam sido classificadas por categoria de “Risco” e 5.543 por “Dano Potencial”.  Dessas, 723 barragens apresentavam risco e danos altos. No entanto, o relatório admite que apenas 3% foi vistoriado pelos órgãos e 45 barragens apresentavam risco de rompimento com baixo nível de conservação e falta de comprovação de estabilidade.

Os atingidos por barragens denunciam que as informações não são confiáveis. A barragem da Vale em Brumadinho era classificada como “estável”, sem risco de rompimento. Após o rompimento, verificou-se que muitas informações não eram verdadeiras.  A própria Vale possui cerca de 175 barragens e em todos os locais os atingidos por barragens que vivem abaixo dessas obras não possuem informações adequadas sobre a real situação das barragens em risco, não há plano de evacuação em caso de rompimento e muito menos de reparação dos direitos.

Preocupado para que tragédias como as de Mariana e de Brumadinho não se repitam, uma das questões centrais reivindicadas pelo MAB é o direito de plena informação, participação e controle popular dos atingidos por barragens na Política de Segurança de Barragens. Isso implica a criação de uma política de segurança de barragens adequada e confiável, que obrigatoriamente precisa ter a participação e envolvimento dos atingidos de forma plena.

Na segunda-feira, uma das regiões que concentrou mais atos foi a bacia do Rio São Francisco, o importantíssimo “Velho Chico”, que se encontra em risco a causa dos rejeitos da Vale. 

José Josivaldo, da Coordenação Nacional do MAB e que atua na região, afirmou que é necessário defender o Rio São Francisco, pois, ele é um dos rios mais importantes do Brasil e o mais importante para a região Nordeste. “Defender o São Francisco é uma tarefa nacionalista, embora seja regional. Defender o São Francisco implica em cuidar que ele esteja livre da contaminação mineral da Vale. Os atingidos devem continuar sendo os donos do rio e das águas frente à ganância do capital e ao mesmo tempo combater a privatização da água em defesa da vida”, destacou.