Parlamentares apresentaram documento com trechos de um estudo feito por consultoria internacional sobre cenários e ameaças à "universalização do saneamento"
A deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) acusou a Copasa de monitorar parlamentares e autoridades públicas de Minas Gerais para evitar resistências durante o processo de privatização da companhia. A denúncia foi apresentada durante reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa, nesta quinta-feira (13/11).
Segundo a parlamentar, o levantamento inclui estudos e informações sobre a vida pessoal e as redes sociais de deputados estaduais e outras autoridades públicas mineiras. O documento também orienta uma linha de “discursos”, com frases e ações para convencer a população sobre a venda da Copasa. De acordo com Beatriz Cerqueira, o estudo prevê reajuste de 12% nas tarifas após a privatização.
O documento apresentado pela parlamentar na comissão é intitulado de “Projeto Bolt” e data de junho de 2025 — período em que começou a tramitação da PEC do Referendo, que eliminou a exigência de consulta popular para a venda da empresa e o que a deputada chama de “espionagem”, o relatório descreve como “monitoramento de stakeholders”. Ainda de acordo com informações levantadas pela parlamentar, o custo do contrato da Copasa com a EY para elaboração do documento chega a R$ 7 milhões.
"É gravíssimo. Tem monitoramento de redes, de votação, questões de vida pessoal, sobre votação no município e as questões relacionadas à água e esgoto. Como é que é possível você, a Copasa, contratar uma empresa para fazer este tipo de relatório e também de monitoramento", disse a Beatriz.
Durante a audiência, a parlamentar chegou a citar trechos aos quais ela teve acesso relatando sobre possíveis problemas conjugais que ela estaria enfrentando com seu marido. "Peço inclusive que corrijam as informações sobre mim. Eu não sou casada", brincou.
Outro lado
A Copasa se defende. A empresa reitera seu compromisso com "a ética e o interesse público" que orientam suas ações ao longo de mais de 60 anos de história em Minas Gerais e destaca que relatórios de análise estratégica são comuns em qualquer companhia.
"A empresa ressalta que toda e qualquer contratação de prestação de serviços obedece a normas rigorosas de controle, governança e compliance, reconhecidas internacionalmente", diz nota da companhia. "A Copasa realiza periodicamente estudos técnicos e análises estratégicas que subsidiam o planejamento de suas operações e o aprimoramento contínuo dos serviços prestados à população", afirmam.
Conteúdo do documento
Nas primeiras páginas do relatório, consta que “a Copasa MG (‘Copasa’) contratou a Ernst & Young Assessoria Empresarial Ltda. (‘EY’) para prestar serviços de consultoria técnica especializada, com o objetivo de mapear e monitorar projetos contemplados no Plano Plurianual de Investimentos, ligados à universalização do saneamento, bem como realizar levantamentos, estudos e diligências nas áreas de gestão estratégica, técnica, financeira, contábil, tributária, previdenciária e trabalhista”.
Um dos trechos que chamam atenção no documento apresenta “mensagens-chave para a diretoria da Copasa” relacionadas à privatização. Entre as frases sugeridas para convencer o público e "stakeholders", entre eles os deputados estaduais, estão:
O documento traz uma lista com mais de mil nomes, que incluem desde todos os parlamentares estaduais, passando por conselheiros do Tribunal de Contas, autoridades públicas e também lideranças populares e universitárias que, de uma forma ou de outra, estão envolvidas com o saneamento ou nas ações contra a privatização.
Também inclui uma matriz de riscos e de potencial econômico das operações da empresa. Diversos trechos dedicam atenção especial ao contrato entre a Copasa e a Prefeitura de Belo Horizonte, simulando impactos nas receitas e no desempenho da empresa conforme os valores exigidos para renovar a outorga com a capital mineira, que terá que renovar contrato de prestação de serviços com a Copasa em 2032.
O deputado Jean Freire (PT) afirmou que o conteúdo do relatório justifica a abertura de uma CPI na Assembleia. “É um absurdo. Precisamos entender como isso foi feito. Podemos até concluir que foi algo comum ou necessário, mas precisamos apurar”, declarou.
Resposta da Copasa
"A Copasa reitera seu compromisso com a ética e o interesse público que orientam suas ações ao longo de mais de 60 anos de história em Minas Gerais. A empresa ressalta que toda e qualquer contratação de prestação de serviços obedece a normas rigorosas de controle, governança e compliance, reconhecidas internacionalmente e atestadas pela Certificação ISO 37.301, o que evidencia sua adesão aos mais elevados padrões de integridade e transparência.
Como empresa de economia mista, com capital aberto e atuação em cerca de 640 municípios, a Copasa realiza periodicamente estudos técnicos e análises estratégicas que subsidiam o planejamento de suas operações e o aprimoramento contínuo dos serviços prestados à população.
O objetivo é garantir eficiência, transparência e diálogo permanente com os diversos segmentos da sociedade, princípios essenciais para uma companhia que presta um serviço público essencial.
A Copasa segue atuando com responsabilidade, respeito às instituições e foco na universalização do saneamento em Minas Gerais, em conformidade com a legislação vigente e sob permanente acompanhamento dos órgãos de regulação e controle, aos quais se coloca à disposição para quaisquer esclarecimentos".