Escrito por: Rogério Hilário, com informações da ALMG

Privatização do Metrô de Belo Horizonte é repudiada em audiência na Assembleia

Participantes apontam irregularidades em planos da União e Estado, que devem passar por auditoria de tribunais de conta

Daniel Protzner/ALMG

Viabilidade do serviço ameaçada e trabalhadores entregues à própria sorte. Esse é o cenário que se descortina se for dada continuidade ao processo de privatização do metrô de Belo Horizonte, conforme os diversos relatos feitos na tarde desta de terça-feira, 3 de maio, em audiência pública da Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

O debate aconteceu atendendo a requerimento da deputada Beatriz Cerqueira (PT), mas, segundo ela, a proposta partiu da direção do Sindicato dos Empregados em Empresas de Transportes Metroviários e Conexos de Minas Gerais (Sindimetro/MG). Nesta semana, a entidade encerrou a maior greve da categoria já registrada no Estado, totalizando 42 dias, justamente por discordar da desestatização da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) em Minas Gerais. 

Do ponto de vista social, a maior queixa é que não há garantia legal da manutenção dos empregos ou realocação dos servidores em outras unidades da companhia. O risco aí seria de uma demissão em massa.

No aspecto financeiro, o temor é da precarização do sistema ameaçando a própria manutenção do serviço a longo prazo, em virtude do impacto da medida nas finanças do Estado. Com a privatização o Executivo passaria a ser responsável pelo pagamento do subsídio para cobrir os custos operacionais.

Tribunais de Contas

Segundo Beatriz Cerqueira, os Tribunais de Contas do Estado (TCE) e da União (TCU) já foram acionados e já sinalizaram positivamente no sentido de auditar todos os passos da operação.

Um dos pontos obscuros diz respeito ao suposto desvio de finalidade na associação de recursos de indenização da Mineradora Vale (Lei 23.830, de 2021) pelo rompimento de barragem em Brumadinho (RMBH), que deveriam ser investidos no metrô, na própria operação de desestatização da CBTU, o que beneficiaria indiretamente os investidores.

“Não aprovamos aqui na Assembleia a entrega de recursos que vieram da indenização de um crime, quase R$ 428 milhões, para que o governo do Estado faça sua política de privatização. O que está na lei é a complementação de recursos federais que devem ser usados para a melhoria no metrô de Belo Horizonte”, ressaltou Beatriz Cerqueira.

A deputada ainda elogiou a mobilização dos metroviários que, com a paralisação, conseguiram colocar a desestatização da CBTU na pauta de discussões da sociedade.

Falta de transparência

O deputado Duarte Bechir (PSD) também se posicionou ao lado dos metroviários e apontou que ainda falta mais transparência à operação. “Colocaram em dúvida o futuro do trabalho deles, a sobrevivência desses trabalhadores e de suas famílias, e o mínimo que se espera é o respeito de não negarem mais informações”, apontou.

Na mesma linha, Celise Laviola (Cidadania) alegou que muitas vezes as empresas privadas não se prendem à necessidade social, temendo que o metrô de BH tenha o mesmo destino do transporte ferroviário de passageiros por todo o Estado.

“Não consigo entender como um país onde antes se viajava de trem para todo lugar investiu de repente tanto em rodovias que agora também não consegue manter”, lamentou.

Mobilização nacional

Já o deputado federal Rogério Correia (PT-MG) a mobilização precisa ser reforçada também no Congresso Nacional para que tenha sucesso um projeto de decreto legislativo que retire a CBTU do Plano Nacional de Desestatização.

Segundo ele, o Executivo estadual deveria adotar uma lógica inversa, com a expansão das linhas para cidades como Betim e Ribeirão das Neves (RMBH), o que facilitaria a subvenção por meio do aumento do número de passageiros transportados.

Subsídio é prática comum

O presidente do Sindimetro, Romeu José Machado Neto, fez críticas contundentes a modelagem de privatização do metrô de BH, que segundo ele traz mais dúvidas do que respostas, principalmente na questão financeira.

“Tem alguma coisa muito estranha por trás disso tudo. Como o governo federal fez ela sem permitir que o governo estadual tenha nenhuma participação nesse processo?”, questionou.

“Essa modelagem não tem previsão de subsídio, mas no mundo inteiro esse tipo de transporte não se sustenta só com a tarifa. Essa é a mágica do governo estadual que o mundo inteiro quer saber como funciona, mas no final das contas é ele quem vai pagar essa conta como poder outorgante, analisou.

O presidente da Central Única dos Trabalhadores de Minas Gerais (CUT/MG), Jairo Nogueira, parabenizou o Sindimetro/MG pelo aniversário – completou 32 anos no dia 1º de maio – e ressaltou a importância do transporte público para a população. “Metroviárias e metroviários realizaram e conduziram uma greve histórica, que durou 41 dias, contra a privatização, pela prestação de um serviço de transporte público de qualidade à população. Saíram da paralisação para atender ao povo, vítima das chantagens das empresas de ônibus com os usuários. O transporte coletivo é privatizado há muitos anos e a população é refém das concessionárias e empresários, que prestam um péssimo serviço. Por isso, somos favoráveis à reestatização deste transporte. Com a privatização do Metrô, vão fazer o que quiserem com a gente. Defenderemos sempre empresas públicas, trabalhadoras e trabalhadores”, disse.

Jairo Nogueira também lembrou que o governo de Romeu Zema (Novo) tem participação ativa no processo de privatização do Metrô. “O governo do Estado está envolvido no processo de concessão. E por um projeto de precarização, aparelhamento e privatização de empresas públicas, como a Cemig, a Copasa, a Codemig. É responsável pelo que acontecendo em Minas Gerais, haja vista a aprovação da licença ambiental para a mineração na Serra do Curral, um crime contra um patrimônio do povo mineiro.”

Estagnação e sucateamento

Em sua apresentação, o pesquisador e coordenador do Instituto Latino Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese), Gustavo Henrique Lopes Machado, reforçou esse e outros questionamentos, que constam de estudo produzido a pedido do Sindimetro e apresentado na audiência pública.

Na avaliação dele, a privatização, na melhor das hipóteses, condenaria o serviço à estagnação e ao risco de sucateamento. “A necessidade de investimento nesse tipo de transporte é tão grande que precisa de prazo de 30 a 40 anos para dar retorno. Quem do setor privado quer esse prazo? Nenhum", critica.

"E é por isso que não existe esse tipo investimento só com a iniciativa privada em lugar nenhum do mundo, no máximo ela opera o que já foi construído”, afirma o pesquisador.

Subsídios orgânicos

Ainda de acordo com Gustavo Machado, como o metrô é um apêndice do transporte rodoviário de passageiros, se a tarifa aumenta, a necessidade de subvenção torna-se ainda maior porque diminui o número de passageiros.

“As subvenções são orgânicas na CBTU e é justamente no metrô de BH em que ela é a menor entre as seis capitais em operação. A privatização em BH pode inclusive inviabilizar o metrô dessas outras cidades”, apontou.

“É ainda mais alarmante um projeto de venda que passe pela estadualização, já que estamos num Estado com déficit orçamentário e na qual os investimentos tendem a zero. Qualquer investimento no setor é da ordem de bilhões e só podem ser bancados pela União. É assim no Brasil e no mundo”, sentenciou Gustavo Machado.

Executivo estadual

O subsecretário de Transportes e Mobilidade da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra), Gabriel Ribeiro Fajardo, garantiu que a operação vem sendo desenvolvida de forma transparente justamente para garantir, diante da situação precária das contas do Estado, mais investimentos para a manutenção e expansão do metrô, conforme deseja a população.

Ainda segundo ele, o Executivo estadual é apenas parceiro do governo federal. “O procedimento legal está sendo cumprido e a abertura do diálogo continua”, garantiu.