Escrito por: Rogério Hilário, com informações da ALMG e do Brasil de Fato Minas Gerais

  Servidoras e servidores protestam contra a reforma administrativa de Zema

Em audiência pública, trabalhadoras e trabalhadores denunciam que PL 358/23 facilita a terceirização de serviços de saúde e de educação e as privatizações

Fotos Guilherme Bergamini/ALMG

 

Em audiência pública, trabalhadoras e trabalhadores denunciam que PL 358/23 facilita a terceirização de serviços de saúde e de educação, a subordinação de conselhos estaduais às respectivas secretarias de Estado e as privizações

Servidoras e servidores públicos de diversas áreas, tais como saúde, educação, segurança e meio ambiente, lotaram nesta terça-feira, 28 de março, o Auditório José Alencar para audiência realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) sobre o Projeto de Lei (PL) 358/23. A proposição, de autoria do governador Romeu Zema (Novo), tramita na ALMG contendo a reorganização administrativa do Estado e foi motivo de protestos em faixas espalhadas pelo auditório e em manifestações da plateia.

A audiência desta terça foi realizada na Comissão de Administração Pública, a pedido da deputada Beatriz Cerqueira (PT), e outras duas reuniões sobre o mesmo projeto estão agendadas para esta quarta-feira (29), desta vez nas Comissões de Educação, Ciência e Tecnologia e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

Em linhas gerais, o PL 358/23 promove alterações nas competências das secretarias de estado e em suas estruturas básicas e entidades vinculadas.

As maiores críticas de entidades representativas de servidores e de parlamentares de oposição referem-se a mudanças trazidas pelo projeto no programa de parcerias com organizações sociais, facilitando a terceirização de serviços de saúde e de educação, e a subordinação de conselhos estaduais às respectivas secretarias de Estado.

Beatriz Cerqueira cobrou que o governo "tire o pé do acelerador" ao comentar o interesse do Executivo de ver o projeto votado pelo Plenário em 1° turno ainda nesta semana. "Que prejuízo o Estado terá se tivermos mais tempo para o diálogo e se temos outras audiências públicas previstas para debatermos pontos do projeto?"

O deputado Professor Cleiton (PV) e a deputada Bella Gonçalves (Psol) também questionaram os representantes do governo sobre a pressa para a aprovação do projeto, tendo Bella Gonçalves manifestado ainda preocupação com mudanças na área ambiental em detrimento do controle, por exemplo, da atividade minerária.

Após mais de quatro horas de discussões, a audiência pública chegou a ser suspensa para início de outra reunião da Comissão de Administração Pública, na qual o PL 358/23 estava na pauta, aguardando parecer de 1º turno.

Mudanças apontadas

Segundo enumerou a deputada Beatriz Cerqueira, as mudanças mais preocupantes, expostas na audiência, seriam:

Privatização

Para a deputada Beatriz Cerqueira e também para a presidenta do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-Ute), Denise Romano, a mudança no Programa de Descentralização da Execução de Serviços para as Entidades do Terceiro Setor ampliaria a privatização de serviços públicos, sem que houvesse mecanismos de fiscalização.

Na área ambiental, Beatriz Cerqueira questionou se as mudanças pretendidas na legislação atenderiam a interesses da Fiemg e das empresas de mineração, já que a regularização de barragens, por exemplo, ficaria na mesma esfera da fiscalização e ainda haveria a sobreposição de tarefas entre a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e a Semad.

Sindicatos criticam a condução da reforma

A presidenta do Sindicato dos Servidores do Meio Ambiente de Minas Gerais, Regina Assunção, lamentou que o projeto venha num momento em que a categoria tem os piores salários do Brasil e considerou preocupantes comandos do projeto referentes, por exemplo, ao controle das florestas plantadas.

Regina Assunção ainda disse que estaria prevista a extinção da Diretoria de Instrumentos de Gestão e Planejamento Ambiental (Diga) da Feam, responsável, segundo ela, pela gestão de bacias impactadas por barragens de mineração. "A quem caberá (acompanhar) a reparação de danos como os provocados em Mariana e Brumadinho?", questionou, lembrando o rompimento de barragens nos dois municípios.

Já Wemerson de Oliveira, presidente do Sindicato dos Servidores Administrativos da Polícia Civil de Minas Gerais, defendeu que, caso o Detran venha a sair da Polícia Civil, como previsto, que pelo menos 2% da arrecadação do órgão sejam destinados a investimentos na estrutura da Polícia Civil.

Lourdes Machado, presidenta do Conselho Estadual de Saúde, disse que o projeto foi recebido com estranheza por trazer mudanças em sua estrutura justamente no momento em que estão sendo realizadas as conferência municipais de saúde. "E tudo isso feito sem conversar com os interessados. É um trator que está passando por cima de todas as nossas resoluções", criticou.

Para Segov, projeto segue legislação

O subsecretário de Articulação Institucional da Secretaria de Estado de Governo (Segov), Samir Carvalho Moysés, disse que o PL 358/23 foi elaborado com base na legislação em vigor e que os servidores do governo estadual que formularam o texto tiveram o máximo cuidado para não ferir as iniciativas do governador. 

“Eu consultei todas as legislações anteriores e não vi nenhuma objeção à organização como ela está proposta no projeto. Apenas repete o marco legal que vem desde a década retrasada”, ressaltou. 

A subsecretária de Gestão Estratégica da Secretaria de Estado, Planejamento e Gestão (Seplag), Camila Barbosa Neves, explicou que a Mesa de Diálogo e Negociação Permanente com Ocupações Urbanas e Rurais, cuja mudança prevista no projeto foi criticada, seria transferida da Sedese para a Casa Civil porque esta teria competência central de articulação com toda a estrutura de governo. 

“É uma questão meramente técnica. Percebemos que a Mesa de Diálogo não é da estrutura de governo apenas, há outros autores envolvidos, por isso propusemos a mudança”, afirmou.

A subsecretária da Seplag também disse que a mudança de subsecretaria para assessoria, no caso de Unimontes e Uemg, preserva a autonomia das universidades e que os servidores do Detran continuarão vinculados ao grupo de carreiras da Defesa Social.

“Não retiramos a atuação da Polícia Civil. Queremos que o Detran continue entregando o trabalho que faz. Queremos melhorar o serviço e a entrega ao público”, argumentou.

Emendas

O governador Romeu Zema apresentou três emendas ao Projeto de Lei (PL) 358/23, que trata da reorganização administrativa do Estado. A mensagem governamental foi recebida oficialmente durante a Reunião Ordinária de Plenário realizada nesta terça-feira, 28 de março, na Assembleia Legislativa.

A emenda nº 1 tem o objetivo de atualizar a remuneração do vice-presidente da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig). Atualmente essa remuneração é de R$ 9 mil. A emenda eleva esse valor para R$ 20 mil.

Já a emenda nº 2 faz uma alteração no PL 358/23, de modo que a Superintendência Central de Administração de Pessoal da Subsecretaria de Estado de Gestão de Pessoas tenha seis unidades a ela subordinadas, e não cinco, como na redação original do projeto.

Por fim, a emenda nº 3 modifica o quantitativo de Superintendências Regionais de Saúde. No texto original do PL 358/23, seriam 19 unidades dentro da estrutura da Secretaria de Estado de Saúde. Com a redação proposta pela emenda, serão 20 superintendências.

O PL 358/23 aguarda parecer de 1º turno da Comissão de Administração Pública.

Projeto favorece venda de estatais

Uma das prioridades de Romeu Zema (Novo) para o início do mandato, o projeto de lei (PL) que trata da reforma administrativa foi enviado pelo governador à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na última semana.  Na prática, o texto propõe a criação de duas novas secretarias, oito subsecretarias e a transferência de competências entre as pastas. A matéria aguarda avaliação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.

Na aparência, as mudanças trazem apenas uma reorganização institucional, mas Hugo Rene de Souza, do Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais (Sinfazfisco), alerta que há perigos na proposta. "Na minha avaliação, o que está por trás dessa iniciativa são as privatizações", enfatiza o sindicalista.

Uma das alterações propostas no PL 358/2023, que o sindicato denominou como "pacote de maldades", é a incorporação da governança do Tesouro Estadual, ou seja, dos patrimônios, fundos e ativos, pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede). O dirigente do Sinfazfico destaca que, na pasta, pode haver a gestão da venda de estatais mineiras.

"Temos que ficar de olho nisso. Quem vai ficar responsável pelo debate sobre as privatizações? A Sede tem atribuição de articulação política de alienação e destinação de ativos. Então, a mudança pode estar atrelada também à lógica do governo de privatizar ao máximo", acredita Hugo.

Pequeno produtor prejudicado

Outra mudança é a exclusão de cargos de chefia da Secretaria de Estado de Fazenda (SEF) e a atribuição ao governo de definir a quantidade de administrações fazendárias no estado.

Para Hugo, quem vai sentir na pele o impacto da medida, é justamente quem mais precisa de auxílio.

"Na prática, ele [o governo] vai deixar de atender o pequeno contribuinte, o pequeno produtor rural, esses que estão no interior do estado. O grande vai sempre ser atendido, mas aquele que mora e precisa da propriedade para sobreviver, não vai conseguir o auxílio necessário", pontua.

Além disso, o projeto de lei propõe a criação das secretarias de Comunicação Social e Casa Civil, transfere o Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste do Estado (Idene) da Sede para a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedese) e transforma o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) em uma subsecretaria vinculada à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag).

Política sobre Drogas na Sejusp

Também causou polêmica a proposta de transferência da Subsecretaria de Política sobre Drogas da Sedese para a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).

Na proposta do governo, a Sejusp passaria a ser responsável, por exemplo, pela "prevenção, educação, informação e capacitação com vistas à redução do uso problemático de drogas lícitas e ilícitas" e "reinserção social de pessoas com problemas decorrentes do uso de drogas".

Na avaliação do ativista Dário de Moura, a medida é um retrocesso, uma vez que, para ele, o tema deveria ficar sob responsabilidade da Saúde Pública, Assistência Social e Educação.

"Caberia à Sejusp a inteligência de combate ao tráfico de grandes quantidades de drogas e seu financiamento. Ao levar a política de drogas para essa secretaria, Zema tira qualquer possibilidade de respeito ao ser humano e demonstra a sua vontade de perpetuar a já falida guerra às drogas", comenta.

Ele destaca que a proposta do governo de Minas vai na contramão dos avanços que têm ocorrido ao redor do mundo. "Portugal, por exemplo, definiu que o papel da segurança pública é encaminhar os cidadãos para o cuidado em saúde e para a assistência social. O Estado brasileiro insiste, sobretudo nas políticas estaduais de segurança pública, em manter a cultura de guerra às drogas, que mata jovens e policiais de baixo escalão negros e pobres", conclui Dário.

Futuro da EMC em aberto

Ao propor a criação da Secretaria de Comunicação, Zema quer retirar a Empresa Mineira de Comunicação (EMC), responsável pela gestão da Rede Minas e da Rádio Inconfidência, da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult), e colocá-la na nova pasta.

A justificativa do governo é de que a secretaria trará mais "transparência" sobre as ações da gestão. Porém, Lina Rocha, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG), afirma que a categoria teme que as emissoras sejam aparelhadas pelo governo.

"Não queremos que a Rede Minas e a Inconfidência se transformem em comunicação institucional do governo. É essencial que seja implementado o Conselho Estadual de Comunicação para coibir qualquer tentativa de censura e cerceamento de liberdade de expressão", afirma Lina.

Ela destaca que, mesmo antes da mudança de pasta, as emissoras já vêm sofrendo interferências da Secult na produção de pautas.

Extinção da Fucam

Na proposta de nova organização do Estado, nem mesmo a Fundação Educacional Caio Martins (Fucam) ficou de fora. Zema quer passar para a Secretaria de Estado de Educação (SEE) a instituição de 75 anos, que oferece educação básica a jovens do campo, em situação de vulnerabilidade.

Entre os deputados de oposição ao governador, a compreensão é de que a medida irá extinguir a fundação, que é referência em combate à pobreza nas zonas rurais de Minas.

A presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da ALMG, Beatriz Cerqueira (PT), afirmou que irá escutar as comunidades impactadas pela proposta de mudança. "E vamos lutar pelos interesses e direitos dessas comunidades", destacou a parlamentar. Feam também é "alvo"

Surpreendidos com as mudanças propostas na organização da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), os servidores do órgão enviaram uma nota à Assembleia Legislativa questionando as medidas apresentadas por Zema.

"A Feam é colocada como alvo, na nova gestão do governador, enquanto possível solução para abafar os escândalos ocorridos no licenciamento ambiental", destaca a nota, que critica a transferência da regularização ambiental ao órgão.

Na avaliação dos servidores, o que é necessário, na realidade, é uma mudança de postura da gestão e não apenas uma reorganização do Estado.

"Não são as estruturas que carecem de mudanças neste momento, e sim os comportamentos lesivos e abusivos ao meio ambiente que vieram sendo incutidos ao longo desses anos nas casas para ganho econômico desse ou daquele setor", conclui.