Golpe militar e suas consequências
Publicado: 20 Março, 2014 - 17h37
Na próxima semana o golpe civil militar que abalou o Brasil completa 50 anos. No dia 1º de abril, tropas saídas de Juiz de Fora chegaram ao Rio de Janeiro e decretaram que o governo de João Goulart, eleito democraticamente, tinha chegado ao fim.
As elites econômicas sempre tiveram dificuldade em aceitar a democracia: assim era em 1964. Havia uma efervescência social, sindical e cultural. As manifestações, greves, protestos, agitos culturais eram constantes. E isso incomodava muito a elite e os militares. O comunismo assustava essa elite também, que usou e abusou de uma pretensa ameaça de tomada do poder pelos comunistas. E qualquer um que não pensasse como a elite, era considerado, naquele momento, comunista.
Não é possível imaginar uma democracia onde não haja o conflito de ideias, as manifestações, o povo na rua. Esses elementos são o fundamento da democracia. Sem eles, ela não existe.
Esse ambiente democrático, junto a um governo que dialogava com os movimentos sociais e que falava em reformas de base era a justificativa principal para o golpe. E não podemos dizer que foi apenas um golpe militar, porque empresários, mídia e parte da classe média apoiou o golpe. Por isso falar em golpe civil militar é o mais correto.
Golpe significa, entre outras coisas, ruptura. Foram rompidos todos os laços de associativismo, as experiências democráticas de participação popular, os diversos acúmulos de organização social no campo e na cidade. Isso gerou um retrocesso enorme na luta dos trabalhadores e das trabalhadoras e obrigou que as novas gerações começassem do zero a reconstrução desses laços. As consequências são enormes para as organizações, mas, pior que isso, para a própria democracia e para a sociedade como um todo.
Após o golpe, o Brasil passou a viver um dos piores momentos de sua história. Com intervenção nas entidades sindicais, censura, fim das liberdades de expressão, de reunião, cassação de mandatos de parlamentares – vivendo um simulacro de parlamento, até seu fechamento em 1968, por intermédio do AI-5 -, mortes, exílio e vários outros tipos de sofrimento físico e mental. Até o fim da ditadura, esse era o cenário enfrentado pela esquerda em geral, e o movimento sindical em particular.
Mas os trabalhadores e as trabalhadoras vergaram, mas não quebraram. Em 1968, aconteceu a greve em Contagem, quando os trabalhadores e trabalhadoras ocupam fábricas e obrigaram os patrões, amparados pela ditadura, a negociar. Durante a década de 70 se constrói o novo sindicalismo a partir do ABC, que foi fundamental para o fim da ditadura e a volta da democracia.
A luta pelas “Diretas Já” marcou o início dos anos 80, e a luta dos movimentos sindicais e sociais por mais democracia permaneceu até os anos 90. Nesse meio tempo, foi elaborada a Constituição da República, promulgada em outubro de 1988. Não foi a constituição dos sonhos, mas a pressão exercida pelas ruas fez sair uma carta magna diferente daquela desejada pelas elites. Que tanto quiseram piorá-la durante a década de 90. E conseguiram artifícios para impedir maiores avanços. Cito dois exemplos: a não regulamentação do Artigo 192, que trata do Sistema Financeiro Nacional (SFN). Não por acaso o setor mais rico e poderoso do país. Até hoje esse artigo não foi regulamentado, o que deixa banqueiros muito à vontade, inclusive tendo o Banco Central a seu serviço, legislando através de resoluções a favor de banqueiros.
Outro exemplo é a não regulamentação dos Artigos 221, 222, 224, que tratam das comunicações. Não por coincidência esses artigos estão até hoje sem regulamentação. Sabemos do poder que essas empresas possuem e porque impedem a regulamentação. São contra a verdadeira liberdade de expressão e não querem dar voz às trabalhadoras e aos trabalhadores.
Esses dois exemplos mostram que a nossa democracia ainda está inconclusa. Precisamos ter um SFN mais democrático, com a participação da sociedade civil no Conselho Monetário Nacional e nas decisões do BC. É urgente uma mídia mais plural, com liberdade de expressão, com mais conteúdo nacional e das diversas regiões do país, sem monopólio, sem propriedade cruzada e que dê voz a todas e todos. Precisamos ampliar os espaços de democracia direta e de democracia participativa na vida pública. E precisamos ampliar a democracia dentro dos locais de trabalho também. Ainda temos muito a construir.
Apesar da nossa democracia ainda estar em construção, é inadmissível imaginar a quebra dela. Saudosos da ditadura voltam a defender o terror, a tortura, as mortes, a dor, a censura tudo isso travestido de ordem. Mas é pra frente é que se anda. Esse é o momento de trabalharmos cada vez mais na consolidação da democracia.