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Ato repudia impunidade na Chacina de Unaí e crime ambiental em Brumadinho

Manifestação em Belo Horizonte cobra mais rigor para crimes cometidos pelo poder econômico contra os direitos sociais, trabalhistas e ambientais

Publicado: 29 Janeiro, 2019 - 12h05 | Última modificação: 30 Janeiro, 2019 - 10h56

Escrito por: Rogério Hilário, com informações de Gil Carlos Dias, do SITRAEMG, e Nilza Murari, do SINAIT

Rogério Hilário
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“Justiça já” para os mandantes e intermediários da Chacina de Unaí, reivindicaram os Auditores-Fiscais do Trabalho e o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (SINAIT) na segunda-feira, 28 de janeiro. Um dos atos aconteceu pela manhã no auditório da unidade da Praça da Liberdade da PUC, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, e contou com representantes de várias entidades de servidoras e servidores de órgãos do Poder Judiciário, da Central Única dos Trabalhadores de Minas Gerais (CUT/MG), dos movimentos sindical e sociais.

Representaram a CUT/MG no ato,  a presidenta da Central e deputada estadual eleita Beatriz Cerqueira; o secretário-geral Jairo Nogueira Filho; e Jorge Ferreira dos Santos Filho, da Articulação dos Empregados Rurais de Minas Gerais (Adere-MG).

Além de protestar contra a impunidade dos mandantes da chacina, que completou 15 anos, os manifestantes prestaram solidariedade às vítimas do crime ambiental de Brumadinho, defenderam os direitos trabalhistas, sociais e previdenciários e a permanência da Justiça do Trabalho. Na manifestação, representantes da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto se solidarizaram com os atingidos por mais um crime ambiental da Vale.

No dia 28 de janeiro de 2004, três servidores do Ministério do Trabalho – os auditores fiscais do trabalho Nelson José da Silva, João Batista Lage e Eratóstenes de Almeida Gonçalves, e o motorista Ailton Pereira de Oliveira – foram barbaramente assassinados em uma emboscada quando realizavam uma diligência de fiscalização do trabalho na zona rural de Unaí, no Noroeste de Minas Gerais.

Passados 15 anos, foram presos, até agora, apenas os quatro responsáveis pela execução: por crime triplamente qualificado, os pistoleiros, Rogério Alan Rocha Rios, a 94 anos de prisão, Erinaldo de Vasconcelos Silva, a 76 anos, e William Gomes de Miranda, a 56 anos; e Hugo Alves Pimenta, na condição de réu delator, teve sua pena atenuada, recebendo uma sentença de 46 anos, 3 meses e 27 dias de reclusão. Os irmãos e fazendeiros Antério e Norberto Mânica, acusados de serem os mandantes, foram condenados a cem anos de prisão, mas eles recorreram em liberdade e continuam soltos.

A manifestação acabou sendo marcada por muita emoção, já que também na segunda-feira completou-se três dias do crime ambiental de Brumadinho, ocorrido na última sexta-feira (25), quando rompeu-se a barragem da Mina do Feijão, pertencente à Vale. A mineradora também e é responsável também pelo crime ambiental de Mariana de novembro de 2015, com o rompimento de duas barragens e a morte de 19 pessoas, centenas de desabrigados, destruição do distrito de Bento Rodrigues e degradação ambiental de várias regiões ribeirinhas e do rio Doce. Durante o evento, foi exibido vídeo sobre a chacina. Em homenagem aos quatro servidores assassinados, os nomes deles foram chamados com todos os participantes respondendo “presente”. Um minuto de silêncio foi respeitado pelos mortos no crime ambiental ocorrido na sexta-feira, em Brumadinho.

O ato começou com a exposição dos três componentes da mesa: Marcelo Gonçalves Campos, delegado sindical em Minas Gerais do SINAIT; José Augusto, presidente da Associação dos Auditores Fiscais do Trabalho de Minas Gerais (AAFIT) à época da chacina; e o professor Cleber Lúcio, da PUC/Minas. O DS do SINAIT apresentou um histórico da Chacina de Unaí, lembrando que os funcionários do Ministério do Trabalho realizavam uma diligência rotineira no momento da emboscada. O auditor Nelson José da Silva era o responsável pela fiscalização da região. Porém, recebeu reforço dos dois companheiros, além do motorista, porque o Ministério do Trabalho havia decidido fechar o cerco contra os irmãos Mânica, grandes produtores de feijão da região, pois havia descoberto fortes indícios de abusos cometidos por eles em relação aos seus trabalhadores, desrespeitando de forma gritante as leis trabalhistas.

Referindo-se à impunidade até hoje gozada pelos dois empresários do agronegócio, ressaltou que isso infelizmente é fruto das concessões que são feitas aos grandes detentores de recursos econômicos.  “Não lutamos por vingança. Lutamos por justiça”, salientou.

O representante da AAFIT-MG usou uma camisa com a bandeira de Minas Gerais no peito, numa referência à impunidade da Chacina de Unaí e um protesto pelo crime ambiental de Brumadinho. “Nossa legislação favorece o assassino, a impunidade. Mas, enquanto houver a indignação, haverá um ponto de esperança”, disse, defendendo a continuidade da luta contra a impunidade para aqueles que continuam desrespeitando as leis que tratam dos direitos sociais, trabalhistas e ambientais.

Por sua vez, o representante da PUC/MG destacou a importância de se valorizar os verdadeiros heróis que são os servidores que trabalham para impedir que se desrespeitem as leis nos empreendimentos econômicos, e passam-se por anônimos no dia a dia e são lembrados somente quando crimes como esses acontecem. O professor Cléber Lúcio observou que a Chacina de Unaí, assim como os crimes ambientais de Mariana e Brumadinho, eram previsíveis. Ele afirmou, também, que a decisão do governo  federal de extinguir o Ministério do Trabalho e a intenção de acabar também com a Justiça do Trabalho estão de acordo com a lógica de tornar a força de trabalho ainda mais barata para os empresários.  “Os verdadeiros heróis é que devem ser celebrados. As mortes deles é que dão força para continuarmos lutando”, afirmou.

Durante os pronunciamentos de auditores fiscais e representantes de entidades presentes, o chefe da Seção de Saúde e Segurança do Trabalho da Delegacia do Trabalho de Minas Gerais, Ricardo Ferreira Deusdará, informou que estava de saída para a Mina do Feijão, juntamente com uma equipe de dez colegas para apuração das irregularidades trabalhistas responsáveis pelo rompimento da barragem. Ironicamente, ele fez um paralelo entre os crimes ambientais de Mariana e Brumadinho, dizendo que, no primeiro, foram “só” 19 mortos, enquanto na tragédia da última sexta-feira, esse número poderá chegar a 300. Talvez por isso, provocou, agora seja feita maior reflexão para se buscar outros modelos de atividade minerária, mais responsáveis, seguros e sem riscos. Ele lembrou que as fiscalizações feitas apontaram riscos à vida de trabalhadoras e trabalhadores da mineradora, mas foram ignoradas pela empresa.

Jairo Nogueira Filho, que falou pela CUT/MG,  manifestou solidariedade aos auditores fiscais do trabalho e defendeu a união de todos em defesa das lutas dos trabalhadores. “O que aconteceu há 15 anos não é normal. Porém, as denúncias e as ocorrências de trabalho escravo continuaram. Assim como as irregularidades e as mortes por causa da terceirização. Nós sentimos isso na Cemig, onde um trabalhador morre em acidente de trabalho a cada 45 dias. Isso acontece com a terceirização ilimitada e se agrava ainda mais com o fim do Ministério de Trabalho, Trago a solidariedade da CUT Minas aos auditores fiscais. O que aconteceu em Unaí me deixou emocionado e indignado. Assim como me revoltam os crimes ambientais de Mariana e Brumadinho. E me revoltou ainda mais o presidente da Vale, tranquilo na televisão, apenas lamentando. O trabalho que vocês, auditores fiscais, realizam é muito importante e podem contar sempre com a CUT e toda a sua base.”

Adriana Augusta de Moura e Souza, procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT), lembrou que o auditor Nelson José da Silva havia elaborado um relatório, em 2003, que apontava as irregularidades nas propriedades dos irmãos Mânica. O documento era tão consistente que gerou ação na Justiça do Trabalho e, em 2007, determinado a cobrança de uma multa que foi paga imediatamente pelos empresários do agronegócio. “A luta precisa ser contínua. Precisamos continuar a fiscalizar”, conclamou. O advogado Humberto Marcial Fonseca, da Associação Brasileira de Advogados do Trabalho (Abrat), criticou a onda de violência que tem causado medo na sociedade. “Querem nos amedrontar”, disse, enunciando que o governo quer acabar com todas as instituições que trazem a palavra “trabalho” em sua nomenclatura – Ministério do Trabalho, Direito do Trabalho, Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho. Salientou, no entanto, que isso obriga a sociedade a dar uma visibilidade ainda maior aos crimes cometidos contra ela.

Ilvia Franca, coordenadora do Fórum Mineiro em Defesa da Previdência Social, destacou que são 130 anos do abolição oficial da escravatura no Brasil, 24 anos que o governo reconheceu a existência do trabalho escravo, 15 anos da Chacina de Unaí e 3 dias do crime de Brumadinho, e que o governo continua determinado a acabar com os direitos sociais da população. “Precisamos aproveitar esse momento de reflexão para lutarmos cada vez mais para minimizar a destruição do nossos direitos do trabalho e sociais, para melhorar o pais”, convocou. Representante da Associação Nacional das Vítimas do Amianto (Abrea), e trabalhadores de Pedro Leopoldo, também estiveram presentes para denunciar a falta de assistência a esse segmento e manifestar apoio às vítimas da Vale e Brumadinho.

Já a deputada Jô Morais (PCdoB/MG) ressaltou que, apesar dos 15 anos de imunidade, são também 15 anos de resistência e de conquistas, em razão da aprovação da Emenda Constitucional nº 81, também conhecida como “PEC do trabalho escravo”.

O representante do SITRAEMG, Carlos Humberto Rodrigues, lembrou que o Judiciário também é envolvido na luta contra o trabalho escravo, e que os processos mostram os subterfúgios utilizados pelas empresas para utilizarem-no impunemente. Disse ainda que o serviço público está sendo “assassinado” todos os dias e que “temos que lutar contra isso”, manifestando ainda sua consternação pelo fato de o Poder Judiciário julgar os processos mais por influências políticas e econômicas do que pelo direito propriamente dito. “Temos que lutar pelo trabalho digno dos auditores fiscais, pelo trabalho digno na Justiça do Trabalho, que não pode ser extinta, pelo trabalho digno dos servidores do Ministério do Trabalho”, conclamou.

Em Brasília

Em ato em frente ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região – TRF1, em Brasília. Neste ano, a indignação da categoria ganhou ainda mais força, em razão de a 4ª Turma do Tribunal ter atenuado as penas dos criminosos, que estão em liberdade.

No dia 19 de novembro de 2018, o TRF1 anulou o julgamento de Antério Mânica – um dos mandantes, e reduziu as penas de Norberto Mânica – mandante, Hugo Alves Pimenta – intermediário e José Alberto de Castro – intermediário. Os executores são os únicos que cumprem penas.

Para a viúva do Auditor-Fiscal do Trabalho Eratóstenes, Marinez Lina de Laia, o dia da sentença do TRF1 foi o pior desde que o crime ocorreu. “Os desembargadores rasgaram a nossa luta por punição aos assassinos. Foi um resultado amargo. Eu gostaria de poder dizer que a justiça foi feita, mas, por mais um ano, estou aqui, sem saber quando será o fim.”

O presidente do SINAIT, Carlos Silva, pediu a prisão dos mandantes e intermediários. “Não temos a menor dúvida da culpa dos mandantes, são eles os criminosos e lugar de criminoso é na cadeia. E pedimos cadeia para todos eles. Não vamos desistir, justiça sempre, justiça já.”

O dirigente, a vice-presidente do SINAIT, Rosa Jorge, e Marinez foram recebidos pelo presidente do TRF1, o desembargador Carlos Eduardo Moreira Alves. No entanto, não obtiveram do magistrado nenhum compromisso com a punição dos assassinos dos servidores.

“Ele disse que não é responsável por essa decisão. E eu disse a ele: ‘Então, Desembargador, avise a quem é o responsável que a decisão dele pode aumentar a dor das famílias e dos Auditores-Fiscais do Trabalho. Nos ajude a reafirmar, apesar das frustrações, nossa crença nas instituições. Assim como acreditamos na Auditoria-Fiscal do Trabalho, queremos manter a fé na justiça. E se não acreditássemos não estaríamos aqui. Nós acreditamos na Justiça e cobramos dela que cumpra seu papel’.”, disse Carlos Silva.

Bolo da impunidade

Ao TRF1 o SINAIT levou o “bolo da impunidade”, como um presente pela decisão da 4ª Turma, afirmou Rosa Jorge. Depois de um breve relato sobre o julgamento dos recursos, ela se declarou envergonhada da Justiça.

“Esta não é a casa da justiça, mas da injustiça. De acordo com a investigação da Polícia Federal e com o Tribunal do Júri de Belo Horizonte, o Antério Mânica foi, sim, um dos articuladores do crime. Mas não vamos nos calar, não aceitamos essa vergonha. Queremos justiça, justiça já”, afirmou Rosa Jorge, seguida pelo coro dos Auditores-Fiscais, também com o mote “justiça já”.

A diretora do SINAIT, Ana Palmira, que conduziu o ato, lembrou da consistência da investigação da Polícia Federal, que seis meses depois do episódio havia aclarado o crime e apontado os mandantes, com fartas provas. Nove meses depois do crime, todos os réus tinham sido pronunciados, graças ao trabalho da polícia judiciária.

A abertura da atividade teve a participação dos cordelistas Allan Sales e Marlo Guedes, que apresentaram cordel sobre os 15 anos da chacina, de autoria de Allan.

Ao final do ato, o SINAIT realizou a soltura de 15 mil balões pretos, sinônimo do luto das famílias, dos Auditores-Fiscais e de toda a sociedade, que esperam ver a conclusão do caso e a aplicação da lei.

Auditores

Vários Auditores-Fiscais do Trabalho se manifestaram, reforçando e sintetizando o espírito que une a categoria em torno das atividades do 28 de janeiro.

Para Paula Mazullo, do Piauí, chamou atenção a ausência de representantes do Judiciário no ato, mesma ausência que vê na aplicação da lei, e cobrou que o Tribunal exerça o papel que a sociedade espera que cumpra. Avisou que enquanto o caso não for concluído, os Auditores-Fiscais irão protestar, ano após ano. “Há um adágio que diz que a justiça tarda, mas não falha. Certa vez uma magistrada observou que a justiça que tarda já é falha. E concordo. A justiça que tarda é, sim, falha.”

Lucas Reis, delegado sindical do SINAIT Santa Catarina, observou que diversas categorias têm seu dia comemorativo como data festiva. “O dia do professor é festivo, do comerciário é festivo, mas o dia do Auditor-Fiscal do Trabalho não é para nós um dia festivo, é dia de luta. Quando ingressei na carreira, percebi que a categoria é aguerrida, e que há 15 anos exige a mesma coisa e não vai desistir da luta por Justiça. As novas gerações de Auditores não vão dormir em paz enquanto os assassinos não estiverem atrás das grades, que é onde deveriam estar.”

A diretora do SINAIT Vera jatobá pontuou a dor, a tristeza e o sentimento de injustiça por não poder comemorar o Dia do Auditor-Fiscal do Trabalho. “Essa sensação de impunidade há 15 anos aperta nossos corações. Esse momento de reflexão é também momento de clamar por justiça para todos os nossos trabalhadores”, afirmou, fazendo referência aos empregados mortos e feridos pelo rompimento da barragem de rejeitos de mineração no Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), sob responsabilidade da Vale.​