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Brumadinho: três anos de impunidade

Apesar do luto pela perda de 272 vidas – seis pessoas ainda continuam desaparecidas, milhares de atingidos ainda lutam por medidas compensatórias e a devastação deixada pela lama tóxica continua fazendo vítimas

Publicado: 25 Janeiro, 2022 - 15h00 | Última modificação: 25 Janeiro, 2022 - 21h16

Escrito por: Rogério Hilário, com informações do MAB, Brasil de Fato Minas Gerais e mandato do deputado federal Patrus Ananias | Editado por: Rogério Hilário

Fotos Aloísio Morais/Jornalistas Livres
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O rompimento da barragem da Vale S/A em Brumadinho (MG), um dos maiores crimes socioambientais do país, completa três anos nesta terça-feira, 25 de janeiro. Embora a gigante da mineração já tenha sido obrigada pela Justiça a pagar indenizações a parte das vítimas,  nenhuma pessoa física ou a empresa foi formalmente acusada pelo crime. 

Apesar do luto pela perda de 272 vidas – seis pessoas ainda continuam desaparecidas, milhares de atingidos ainda lutam por medidas compensatórias e a devastação deixada pela lama tóxica continua fazendo vítimas. O rio Paraopeba, destino dos 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mina Córrego do Feijão, ainda está contaminado.

Nesta terça-feira, as vítimas foram homenageadas. No letreiro na entrada da cidade estão coladas das fotos das 272 pessoas mortas pelo rompimento da barragem. Cruzes com os nomes das vítimas foram pregadas ao redor. Movimentos sociais, índios pataxós, grupos de congado e representantes de várias entidades se uniram em ato e passeata por Justiça e reparação.

Às 12h28 do dia 25 de janeiro de 2019, moradores de Brumadinho, trabalhadoras e trabalhadores da empresa Vale foram surpreendidos pela avalanche de resíduos da Barragem B1. A Vale já sabia do risco de ruptura pelo menos um ano antes, como denuncia a jornalista e escritora Daniela Arbex, em recente livro que reconstitui um dos maiores desastres ambiental e social do Brasil.

A nossa luta é para que crimes semelhantes não ocorram e para a justiça seja feita. Infelizmente não é esta a realidade de milhares de mineiros que vivem próximos a barragens de mineração. As chuvas intensas registradas em Minas Gerais nos últimos meses caíram em territórios já destruídos pela mineração, em rios assoreados e em dezenas de barramentos de rejeito mineral que representam perigo constante para as populações.

No caso da Bacia do Rio Paraopeba, milhares de atingidos pela Vale foram novamente impactados quando o rio subiu, deixou casas praticamente submersas e, ao retornar ao leito, abandonou toneladas de lama com rejeito tóxico nas ruas e nas casas.

Os atingidos que tiveram que entrar em residências inundadas para ajudar a resgatar famílias ilhadas estão com manchas vermelhas e coceiras, principalmente nas pernas e braços. Enquanto isso, trabalhadoras e trabalhadores da Vale que atuam na região foram orientados a não ter contato com a água das enchentes.

Pelo menos 31 barragens estão em situação de emergência em Minas Gerais. As chuvas mostram, mais uma vez, o descaso das mineradoras com a população e a conivência dos governos com o modelo predatório de mineração.

Enquanto os problemas econômicos, sociais e ambientais se ampliam, a Vale busca ter o controle do processo de reparação dos danos causados por ela mesma, utilizando-se de todos mecanismos à disposição da segunda maior mineradora do mundo. Além de articular nos governos e no Poder Judiciário diversas formas de negar direitos, dificultando a participação dos atingidos no processo, a empresa trabalha cooptando lideranças locais para criar conflitos entre os moradores e enfraquecer a luta coletiva. Além disso, promove assédio moral através de seus funcionários.

Paralelamente a essa atuação deplorável no território, em fevereiro de 2020, a empresa fez um acordo com o governo do estado e entidades de justiça, sob sigilo e sem o envolvimento das famílias atingidas, economizando R$ 17 bilhões.

Dos R$ 54 bilhões pedidos nas ações de reparação dos danos, a Vale vai pagar apenas R$ 37 bilhões. Parte desse montante será transferido para o governo do estado investir em obras que nada têm a ver com a reparação do crime de Brumadinho. É o caso do Rodoanel, que levou R$ 4,4 bilhões do acordo e irá criar novos atingidos ou atingir novamente famílias no trecho em que a obra será executada.

Apesar disso, a parceria entre governo e mineradoras só se estreitou nos últimos anos. No final de 2021, contrariando todas as expectativas, Romeu Zema se empenhou em assinar diversos acordos e protocolos de intenções com mineradoras, a maioria deles prevendo a ampliação da extração nas minas, mesmo com os iminentes de mais rompimentos de barragens, devastação e mortes.

Lucro em detrimento das vidas

Para o presidente da Central Única dos Trabalhadores de Minas Gerais (CUT/MG), Jairo Nogueira Filho, os três anos sem ações efetivas em Mariana e Brumadinho comprovam que, para os governos federal e estadual, o lucro das mineradoras é mais importante que as vidas perdidas e o destino dos atingidos pelo rompimento de barragens.

“São três anos do crime da Vale, sem nenhuma ação concreta dos governos federal e estadual. Morreram 272 pessoas – duas crianças estavam nos ventres das mães – e, depois disso, quase nada foi feito até agora. Isso demonstra claramente que a Justiça brasileira, a Justiça do Estado, os governos federal e estadual privilegiam o lucro das empresas em detrimento das vidas das pessoas que moram ao redor das mineradoras e da Vale, principalmente, que têm feito um grande estrago em Minas Gerais”, pontuou.

“E depois de tudo isso, o tratamento que a empresa deu às pessoas foi esse: não levantou uma única casa até hoje, as indenizações não aconteceram. Seis corpos ainda não foram encontrados. E a impressão que se tem é que não haverá Justiça. A coisa não caminha. E houve a protelação da Vale na Justiça para tudo comece do zero. A nossa luta é para reverter tudo isso. Um Estado tão bonito, tão promissor como o nosso não pode viver na dependência da mineração, com tanta destruição”, disse o presidente da CUT/MG.

Para Jairo Nogueira Filho, a Vale, quando é do seu interesse, trata as pessoas de forma diferenciada. “É importante colocar que a mineradora acabou de comprar um condomínio de luxo em Nova Lima, que poderia ser afetado por uma de suas minas. Numa negociação rápida, indenizou todos os moradores. Comprou casas luxuosas. Quem mora neste condomínio para a Vale ter tanta pressa e esse apreço para resolver a questão, enquanto em Brumadinho estamos há três anos sem ações efetivas? São amigos dos lucros, dos dividendos se dando bem e a população com um todo se dando mal. Por isso vamos continuar na luta por Mariana, por Brumadinho e todo o povo mineiro.”

Segundo informações da Rádio Itatiaia, a mineradora comprou o Condomínio Jardim Monte Verde, vizinho da mina Mar Azul, em que casas apresentam trincas e rachaduras. De acordo com estimativa da emissora, a compra de 30 casas e 51 lotes teria custado à Vale mais de R$ 100 milhões. A empresa não revelou o valor da negociação, mas confirmou que fez propostas aos condôminos em 2020.