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Concurso público move indústria de sonhos bilionária pelo país

 

Publicado: 04 Maio, 2009 - 23h00

Escrito por: Eficaz Comunicação

Renato Fonseca
REPÓRTER

De um lado, os que sonham com estabilidade, bons salários, plano de saúde, aposentadoria complementar. Do outro, a indústria dos concursos públicos, que lucra com o desejo de trabalhadores de conquistar uma vaga com todos esses atrativos. Enquanto os candidatos se aventuram, com muito suor, na busca do pote de ouro, para as empresas que atuam na área, a riqueza já chegou. O concurso público não é apenas um caminho para se chegar a cargos almejados por muitos. Trata-se de um mercado já bilionário para escolas preparatórias, empresas que organizam as provas e editoras especializadas em material didático. Números da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac) confirmam que o lucrativo segmento vive uma fase mais do que próspera. Somente com as taxas de inscrição dos candidatos, são arrecadados R$ 500 milhões por ano. E o número de pessoas matriculadas nos cursinhos preparatórios ultrapassa a casa de 3 milhões. São candidatos que, segundo levantamento recente, gastam até R$ 8 mil por ano com os estudos. E alimentam o faturamento dos cursos preparatórios e editoras, dupla que deverá abocanhar R$ 150 milhões até o final deste ano. <EM>

A preparação para as provas que dão acesso a um emprego público na União, no Estado ou na prefeitura, desperta, cada vez mais, o interesse das instituições de ensino especializadas em cursinhos. Só em Belo Horizonte, existem 14 escolas voltadas para a preparação de concurso. Em Minas Gerais são cerca de 150 e, no Brasil, mais de 1.300. Nos últimos anos, o número de alunos matriculados em escolas preparatórias triplicou, chegando a 3 milhões.

De olho neste mercado que não para de crescer, escolas de Belo Horizonte investem pesado no segmento. O curso Orvile Carneiro - fundado em Belo Horizonte em 1961 e um dos mais tradicionais da capital -, uniu-se ao conceituado Maurício Trigueiro, que há mais de 15 anos é referência em aprovação na área jurídica e exames da OAB. Juntas, as duas instituições investiram mais de R$ 2 milhões na criação do grupo educacional Interasat, que transmite, via satélite, aulas geradas na sede da empresa, que funciona na Região Centro-Sul da cidade.

Pode-se assistir às aulas em todas as unidades, em tempo real e com alta qualidade", afirma o advogado e professor Antônio Loureiro, diretor do curso Maurício Trigueiro. A Interasat possui 66 franquias em todo o país, e a meta é chegar a cem até o final do ano.

Para quem não tem tempo ou dinheiro para estudar nos cursinhos, uma das opções é recorrer a livros e apostilas. Outro dado comprova que este é um mercado em franca expansão.

Pesquisa encomendada pelo Orvile Carneiro revelou que 63% dos candidatos estudam por meio de apostilas. A Casa dos Concursos, tradicional loja que funciona há 12 anos no Centro de Belo Horizonte, dá uma ideia da força desse segmento. Entre apostilas e livros abordando assuntos exigidos nos editais, são vendidos, por dia, em torno de cem unidades. "Uma apostila custa cerca de R$ 40, e os livros variam de R$ 30 a R$ 120", disse o gerente comercial da loja André Magnus.

Na ponta inicial da cadeia, editoras e gráficas também avistam o céu de brigadeiro proporcionado pelo concurso público. Com mais de dez anos no mercado, a Edap Editora comemora os resultados. No primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2008, houve um incremento nas vendas de apostilas para concursos superior a 30%, conforme revela o diretor comercial da empresa, Carlos Eduardo Mello. Por mês, são vendidas mais de 25 mil apostilas em todo o Brasil. A expectativa da empresa é elevar as vendas em 10% até o final do ano. "O momento é muito bom. São várias as oportunidades lançadas e muitas outras que estão por vir".

A chamada "indústria dos concursos" preocupa, e muito, a Anpac. A associação critica a falta de regulamentação específica para o setor e a abertura indiscriminada de escolas preparatórias. "Todos os dias surgem novos cursinhos, fora as apostilas que são vendidas no mercado informal", aponta o vice-presidente da Anpac, Sílvio Motta.

Por outro lado, o juiz federal da 4ª Vara de Niterói, William Douglas, autor de diversas obras sobre o tema, é enfático ao falar sobre o assunto. "Realmente, hoje possuímos uma indústria dos concursos públicos, mas ela paga impostos, possui regras e, mais do que isso, está a serviço da população e do país, pois são escolas e empresas que capacitam e qualificam as pessoas para o ingresso no serviço público e para atender melhor a todos", defende William Douglas.

Sete milhões querem o Estado como chefe
A atual corrida por cargos públicos não tem precedentes na história brasileira. O sonho da estabilidade profissional vai levar, só neste ano, cerca de 7 milhões de pessoas a se inscreverem em concursos públicos em todo o país. Uma corrida que já começou. E, ao contrário do que se esperava, o mercado de concursos não foi afetado pela turbulência na economia. O segundo semestre promete fortes emoções para os que almejam um lugar no funcionalismo público (veja quadro nesta página). Somente para os cargos federais, o total de vagas abertas até o final do ano deverá chegar a 64.540, número 14% maior do que o de 2008.

E, para conquistar a tão sonhada vaga, não há mágica, somente dedicação. A receita indicada por professores e estudantes é uma caprichada porção de estudos, misturada com uma generosa dose de leitura e revisão de exercícios, acompanhada de uma boa estrutura familiar e descanso.

Nas escolas preparatórias de Belo Horizonte, o cenário se assemelha às salas dos cursinhos para vestibular. Praticamente todas as cadeiras ocupadas, em sua maioria por jovens com pouco mais que 20 anos de idade - mais da metade deles recém-formados em universidades, segundo o professor Antônio Loureiro, do curso Maurício Trigueiro. "Os candidatos são seduzidos por privilégios muitas vezes difíceis de serem alcançados nas empresas privadas, como a estabilidade no emprego", comenta.

Alguns candidatos sequer chegaram a concluir o ensino superior, largando o curso e se dedicando exclusivamente aos concursos. É o caso de Caleb Chagas de Oliveira, de 22 anos. Em busca de estabilidade, ele trancou a matrícula na faculdade de Letras, no início deste ano. Agora, estuda para a prova do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Ceará. O cargo pretendido é de técnico judiciário. O salário chega a R$ 4.062.

A rotina diária de estudos de Caleb é intensa, intercalando aulas no cursinho e revisão dos exercícios em casa, com direito até a ouvir a gravação da matéria feita no aparelho de MP3. "Normalmente pego o MP3, leio em voz alta a constituição, gravo as falas e depois escuto em casa", conta o estudante, que fica durante todo o dia na unidade Central do curso Orvile Carneiro. "Tenho aulas isoladas pela manhã, e, no restante do dia, fico na sala de estudo disponibilizada pelo curso. Só vou embora depois das 22 horas". Nos fins de semana, a maratona continua e quase não sobra tempo para a namorada Natália. "Realmente, meus horários são complicados, mas ela tem entendido e me ajuda bastante. Até dinheiro ela me empresta (risos)", diz o jovem.

Além de muita dedicação, uma condição financeira favorável que possibilite investimentos maiores também ajuda. Aprovado em 2005 para um concurso do Banco do Brasil, Guilherme de Carvalho Madureira gastou, recentemente, R$ 3.400 em um curso preparatório de cinco meses. "O dinheiro foi bem gasto. Além das noções de Direito, o curso me deu um certificado de pós-graduação. Foi um investimento e não um gasto", reforça Guilherme Madureira, que também é empresário e pretende prestar concurso para o Banco Central.

Depois de acumular primeiros lugares em várias provas e escrever um best seller entre os candidatos, o livro "Como passar em provas e concursos", com mais de 150 mil exemplares vendidos, o juiz federal William Douglas é considerado o maior especialista brasileiro em concursos públicos. Para ele, a carreira de servidor representa uma opção para o jovem que não consegue o primeiro emprego, para quem saiu do mercado, para os que estão descontentes com os salários ou mesmo para quem quer simplesmente um pouco mais de tranquilidade na vida.

Segundo o juiz, o concurso é uma das formas mais democráticas de ascensão social. "O que é avaliado no exame é o desempenho e a capacidade do candidato", afirma William Douglas. Conhecido como o "rei dos concursos", ele é autor de uma das mais famosas frases ditas entre os "concurseiros": "Concurso não se faz para passar, mas até passar".

Fonte: Hoje em Dia