“Ditadura Nunca Mais” e “Sem anistia” pautam atos em BH e Juiz de Fora
Manifestações unem movimentos sindical, sociais, estudantis e parlamentares para lembrar os 60 anos do golpe militar e exigir punições para militares e golpistas que atacaram os Três Poderes
Publicado: 02 Abril, 2024 - 12h57 | Última modificação: 02 Abril, 2024 - 15h12
Escrito por: Rogério Hilário, com informações do Estado de Minas e do G1 | Editado por: Rogério Hilário
“Ditadura nunca mais”. “Punição para generais”. “Sem anistia para golpistas”. “Fora Zema”. “Bolsonaro na prisão”. “Nunca esquecer, sempre resistir”. Com estes temas, manifestantes realizaram mobilizações nesta segunda-feira, 1º de abril, durante todo o dia em Belo Horizonte. Militantes e dirigentes dos movimentos sindical, sociais, estudantis e populares, parlamentares e representantes de mandatos se uniram para lembrar dos 60 anos do golpe militar, em um protesto que também reuniu pessoas que foram presas e parentes de vítimas da ditadura militar.
Pela manhã, uma exposição na Praça Sete, Centro da capital mineira, uma exposição trouxe à luta os rostos e nomes de 49 mineiros que foram mortos pela ditadura ou ainda estão desaparecidos. Um varal de fotos dessas pessoas foi estendido no quarteirão da Rua Rio de Janeiro, para que a população pudesse conhecer um pouco mais sobre o período sombrio da história do Brasil, que durou 21 anos.
À tarde, foi realizado um protesto em frente ao antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), um dos locais em que opositores do regime militar eram torturados e que vai abrigar o Memorial dos Direitos Humanos. No ato, os manifestantes cobraram, principalmente, punição aos agentes da ditadura e aos golpistas que atacaram as sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília. No muro do prédio que simbolizou a repressão política, foram colados cartazes com fotos dos 49 mineiros que foram vítimas da ditadura. Durante o ato Também houve protestos contra genocídio praticado por Israel contra o povo palestino.
A exposição na Praça Sete foi organizada pelo Superintendente do Ministério do Trabalho e Emprego em Minas Gerais (MTE-MG), Carlos Calazans, que dialogou com a população. Quem passou pelo local pôde observar um cenário de memória e resistência. As imagens estavam acompanhadas das frases “memória, justiça e reparação” e “ditadura nunca mais!”.
A ex-deputada federal Jô Moraes (PCdoB), ex-presa política durante o regime militar, levou para o ato os documentos falsos que teve que usar para escapar da repressão. "É preciso que a sociedade entenda que a ditadura militar que nós vivemos, que eu vivi, não pode se repetir. Nós não podemos nos enganar com o discurso autoritário que temos hoje. A ditadura trouxe sofrimento, me afastou da minha família. Minha mãe morreu sem que eu pudesse ir no velório vê-la porque tinha polícia me esperando", lembrou.
“Neste local, o Dops, Dan Mitrione, um agente dos Estados Unidos, veio ensinar aos policiais brasileiros as técnicas de tortura. Em suas aulas, ele dava demonstrações práticas de tortura, utilizando-se de presos, mendigos e indigentes. A luta por memória, verdade e justiça é uma luta de agora! Herdamos da ditadura militar um Estado autoritário, violento, refém dos militares e avesso à participação popular. Heleniras, Honestinos e Marighellas não tiveram justiça e a tortura segue sendo uma prática de agentes do Estado. A democracia segue sendo atacada, como vimos no 8 de janeiro de 2023. Encarar as heranças da ditadura militar e combatê-las na nossa sociedade é condição para que haja justiça e um futuro mais democrático para todo o povo brasileiro”, afirmou o vereador Bruno Pedralva (PT).
"A gente precisa estar sempre relembrando o que aconteceu para a história não se repetir", disse a aposentada Maria Inês Pedrosa Narras, que teve dois irmãos presos durante a ditadura. O médico Elson Violante estava chegando em casa, no Rio de Janeiro, depois de um dia de plantão, quando foi capturado, em 1974. Ele ficou detido e sob tortura por 58 dias. "Lá é um inferno. Você não tem direito a nada, e eles podem tudo. Tortura, pancadaria, choque elétrico", contou.
Marcha da Democracia
Há 60 anos, liderada pelo general Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar do Exército, uma tropa partiu de Juiz de Fora, na Zona da Mata Mineira, em direção ao Rio de Janeiro, para dar apoio ao golpe civil-militar, que destituiu o governo de João Goulart (PTB) e impôs no Brasil uma ditadura de 21 anos. Na segunda-feira (1º), para relembrar esse fato, diversas entidades fizeram a “Marcha da Democracia”, no sentido reverso, que partiu logo pela manhã da Cinelândia, no Rio de Janeiro, em direção a Juiz de Fora, onde chegou na Praça Antônio Carlos, no centro da cidade, quase no fim da tarde.
O evento reuniu, em um ato público para celebrar a democracia, familiares do presidente João Goulart, agraciado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) com o título de Doutor Honoris Causa pós-morte, ex-presos políticos, parlamentares cassados e parentes de pessoas presas e assassinadas pelo regime militar.
A entrega do título de doutor ao ex-presidente foi feita em sessão solene do Conselho Superior (Consu) da UFJF, no Museu de Arte Murilo Mendes, antes do ato na Praça Antônio Carlos, na presença de filhos e netos de Goulart.
João Vicente Goulart, um dos filhos do ex-presidente, chamou o golpe militar de “tragédia de 64” que levou o país a “21 anos de silêncio, ditadura, perseguição e morte”. “O povo brasileiro não merecia ter passado por toda essa tragédia”, disse João Vicente, no ato na Praça Antônio Carlos, que foi transmitido ao vivo pela Prefeitura de Juiz de Fora nas redes sociais. João Vicente agradeceu o “sangue e sacrifício de todos aqueles que tombaram no caminho da democracia” e afirmou que o Brasil não pode mais conviver com ameaças de golpe feitas por “generais de quatro estrelas”. “O país tem dono. E o dono é o povo brasileiro que precisa recuperar seus direitos e viver em uma sociedade igualitária”, defendeu o filho do ex-presidente, que já foi deputado estadual pelo Rio Grande do Sul e candidato à Presidência da República em 2018.
A prefeita de Juiz de Fora, Margarida Salomão (PT), anfitriã do ato, afirmou que a marcha, também batizada de reversa, não muda “infelizmente os acontecimentos que levaram à longa noite de 21 anos”, mas é necessária para lembrar à população do que ocorreu e evitar que novamente aconteça.
Margarida leu uma postagem feita anteontem pela ex-presidente Dilma, afastada do cargo em 2016, e ex-presa política, na véspera do golpe de 64, que relacionou os acontecimentos do passado com a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023. Na rede social X, Dilma, que hoje preside o Brics, afirmou que “manter a memória e a verdade histórica sobre o golpe militar que ocorreu no Brasil há 60 anos, em 31 de março de 1964, é crucial para assegurar que essa tragédia não se repita, como quase ocorreu recentemente, em 8 de janeiro de 2023”.
A prefeita também saudou a concessão do título de doutor ao ex-presidente, segundo ela, “uma reparação imprescindível à memória de João Goulart, um presidente que teve a coragem de brandir uma pauta progressista”.