Ex-executivo denuncia investigação suspeita da Cemig
Daniel Godoy afirmou, durante depoimento na CPI, que foi demitido do cargo gerencial depois desse episódio, pelo diretor jurídico Eduardo Soares, por “ter visões diferentes de como a Cemig deveria funcionar”
Publicado: 10 Setembro, 2021 - 11h35
Escrito por: ALMG
A Kroll Associates Brasil Ltda., empresa especializada em investigações corporativas, voltou ao centro das atenções na tarde da quinta-feira (9), na reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que investiga possíveis irregularidades na gestão e uso político da Cemig.
Mesmo sem ter um contrato firmado que garantisse confidencialidade, a atual direção da companhia energética do Estado teria permitido que funcionários da Kroll entrassem, na madrugada de 3 para 4 de dezembro do ano passado, nas dependências da empresa, acompanhados por uma assessora da Diretoria Jurídica, e copiassem dados sensíveis dos computadores.
A revelação foi feita em depoimento do ex-titular da Gerência de Direito Administrativo da Cemig, Daniel Polignano Godoy, uma das testemunhas interrogadas na quinta-feira pelos deputados. O ex-executivo foi ouvido sobre a dispensa de pareceres jurídicos prévios em diversos contratos suspeitos, celebrados sem licitação pela Cemig.
Daniel Godoy, que é servidor concursado da empresa desde 2013, afirmou que foi demitido do cargo gerencial depois desse episódio, pelo diretor jurídico Eduardo Soares, por “ter visões diferentes de como a Cemig deveria funcionar”.
Segundo Godoy, por decisão da diretoria executiva e do Conselho de Administração da Cemig, os pareceres jurídicos justificando a “inexigibilidade de licitação” passaram a ser emitidos posteriormente à celebração de contratos. Uma das empresas contratadas dessa maneira foi justamente a Kroll, que, no momento da ação classificada como “arapongagem” pelos deputados, ainda não teria um vínculo contratual firmado com a Cemig.
“Os pareceres jurídicos são uma opinião técnica especializada para subsidiar a tomada de decisão pela empresa para operar seus negócios de forma eficaz e dentro da legalidade”, justificou Daniel Godoy, ao responder a questionamento do relator da CPI da Cemig, deputado Sávio Souza Cruz (MDB), sobre a importância da elaboração prévia desse tipo de documento nas contratações bilionárias feitas sem licitação pela Cemig.
Contratos
Outro contrato celebrado assim teria sido com a empresa de advocacia Lefosse, conforme apontou a deputada Beatriz Cerqueira (PT). A Lefosse já teve como sócio o mesmo diretor jurídico da Cemig, Eduardo Soares. Ao longo do depoimento do ex-executivo, a parlamentar enumerou 34 contratos supostamente celebrados pela Cemig, de fevereiro de 2020 a junho de 2021, todos sob o argumento de “inexigibilidade de licitação” e em valor total superior a R$ 1 bilhão.
A prática, conhecida como “convalidação”, é a regularização de contratações depois dos serviços contratados já terem sido executados, expediente que deveria ser utilizado somente em situações emergenciais.
Segundo Beatriz Cerqueira, o período apurado coincide com gestão do atual diretor-presidente da Cemig, Reynaldo Passanezi Filho, selecionado pela empresa de recrutamento Exec, que também teria sido beneficiada por esse artifício. A contratação formal da instituição se deu mais de um mês depois da nomeação do gestor para o seu cargo.
Invasão de computador
Foi a ação da Kroll dentro do edifício-sede da Cemig que mais chamou a atenção dos deputados ao longo do depoimento de Daniel Godoy. Curiosamente, antes de começar a responder às perguntas, o ex-executivo, acompanhado de advogado contratado pela estatal, alertou aos parlamentares que, advertido pela direção da Cemig, não poderia quebrar o sigilo profissional e revelar informações sensíveis da empresa. Por esse motivo, poderia se reservar ao direito de não responder a alguma pergunta.
“Não entendo a direção da Cemig. Pede para o depoente preservar dados sigilosos na CPI, mas deixa uma empresa sem contrato ter acesso aos computadores com dados sensíveis, sem nenhuma cobertura legal que a resguardasse?”, questionou Sávio Souza Cruz.
O presidente da CPI, deputado Cássio Soares (PSD), perguntou a Godoy se ele se sentiu intimidado e de quem teria partido na Cemig a advertência, expressa na forma de uma petição protocolada na comissão. Por esse motivo, o ex-executivo se recusou a responder diretamente várias perguntas feitas pelos deputados. “Foi a presidência do Conselho de Administração sob autoria do diretor jurídico”, resumiu.
Dados pessoais
O ex-executivo contou que ao chegar para trabalhar se deparou com um formulário da Kroll preenchido a caneta comunicando-lhe que seu computador de trabalho havia sido vistoriado e informações haviam sido extraídas.
Preocupado com o volume de informações contidas no equipamento, muitas delas sensíveis e com dados pessoais dele e de terceiros, Daniel Godoy procurou primeiro seu superior imediato, um superintendente, e depois o diretor jurídico, para saber do que se tratava aquele procedimento, que ambos alegaram desconhecer.
Godoy relatou aos deputados que, ao tentar apurar o episódio, descobriu primeiro que a Kroll não tinha contrato com a Cemig. Depois, conseguiu junto ao setor de segurança da empresa cópia do vídeo que mostrava uma assessora direta do diretor jurídico acompanhando os investigadores da Kroll. Nesse ponto, teriam lhe dito que a investigação não teria ele como alvo.
Por sugestão do deputado Professor Cleiton (PSB), vice-presidente e primeiro signatário do requerimento que deu origem à CPI, foi aprovado requerimento para que Godoy entregasse à comissão cópia desta gravação.
Também foi aprovado requerimento para que a assessora da Diretoria Jurídica citada por Daniel, a mesma que teria apoiado a ação dos investigadores, identificada como Virgínia Kirchmeyer Vieira, também seja ouvida pela CPI da Cemig na condição de testemunha.
“Precisamos acionar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que tome providências legais sobre essa arapongagem, já que o mesmo sigilo profissional foi violado pela Cemig ao invadir, na calada da noite, o computador de seu funcionário”, sugeriu Professor Cleiton.
O deputado Zé Guilherme (PP), por sua vez, argumentou que, por se tratar de computador de trabalho do ex-executivo, a Cemig poderia legalmente fazer tal procedimento. “A empresa (Kroll) estava dentro da Cemig em atendimento a uma exigência do Ministério Público por uma investigação externa de um rombo dentro do setor de compras. Não são dados pessoais, são dados da empresa, que tem o direito de buscar essas informações”, justificou.
Grampo
Em reunião no início do mês passado, a Kroll foi acusada por Professor Cleiton de tentar espioná-lo para intimidar sua atuação na investigação. Segundo o parlamentar, uma perícia teria confirmado que seu telefone celular foi grampeado. Poteriormente foi realizada varredura na ALMG à procura de escutas. A empresa nega a acusação e acionou o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) para ter o episódio esclarecido.
Empresa que ganhou mas não levou pede ressarcimento
Em outro depoimento na CPI da Cemig nesta quinta, foi ouvido, na condição de testemunha, o representante legal da empresa Audac Serviços Especializados de Atendimento ao Cliente, José Roberto Romeu Roque. A Audac, apesar de vencer licitação para prestar serviços de call center na Cemig, não recebeu autorização para o início da prestação do serviço por parte da diretoria da estatal.
Em vez disso, a multinacional IBM Brasil, que não teria expertise em atendimento humano, subcontratou outra empresa, a AeC, para prestar o serviço. Ao ser subcontratada pela IBM, a AeC estendeu, a partir do final de fevereiro, sua atuação na Cemig, mesmo depois de não ser selecionada na licitação, na qual ficou em segundo lugar.
A multinacional também teria sido contratada sem licitação pela Cemig, por R$ 1,1 bilhão, para, ao longo de dez anos, prestar consultoria em transformação digital e implementar um modelo integrado de atendimento aos clientes, conhecido como omnichannel. A falta de concorrência em uma contratação direta desse porte e por prazo tão longo tem sido bastante criticada pelos deputados da CPI.
Já a AeC é a mesma empresa fundada por Cássio Azevedo, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do governo Romeu Zema, que já desempenhava essa atividade para a Cemig desde setembro de 2008, por três contratos. Cássio Azevedo faleceu este ano, vítima de câncer.
Perplexidade - Ao responder os questionamentos dos deputados, o empresário expressou sua perplexidade por ter assinado contrato com a Cemig em 5 de março do ano passado e ter feito investimentos superior a R$ 10 milhões, mas, misteriosamente, não ter recebido a autorização para iniciar a prestação de serviço.
Segundo José Roberto, apesar das dezenas de contatos da Audac com os gestores do contrato por parte da Cemig, a autorização foi sendo postergada até que, em 16 de fevereiro, foi comunicada a rescisão unilateral.
O empresário revelou que a Audac exige um ressarcimento de cerca de R$ 13 milhões à estatal. Segundo ele, se o impasse permanecer, a contenda pode ser judicializada.
“Temos 40 anos de experiência e nunca tive uma rescisão contratual dessa forma”, disse José Roberto.
“A empresa do senhor foi cozinhada em banho maria até acharem uma alternativa para continuar com a AeC. Nunca vimos tamanha aberração no gasto dos recursos públicos de uma empresa que deveria ser exemplo na prestação de serviços. Ao contrário disso, a Cemig foi completamente aparelhada e virou uma decepção para a população mineira”, resumiu Cássio Soares.