Frente Ampla em Defesa da Saúde dos Trabalhadores
Publicado: 06 Maio, 2020 - 16h50
Escrito por: Sind-Saúde/MG
A Frente Ampla em Defesa da Saúde dos Trabalhadores, constituída pela CUT, e outros 25 movimentos sociais, entidades de natureza sindical, instituições técnico-científicas, e por dezenas de profissionais e lideranças do campo da Saúde do Trabalhador, Saúde Coletiva, Saúde Pública, Direito do Trabalho e áreas afins, lança uma nota técnica em defesa dos direitos dos trabalhadores, especialmente durante a pandemia do coronavírus (Covid 19).
Intitulada, "Direitos trabalhistas e previdenciários de trabalhadoras e trabalhadores portadores de COVID-19 relacionada ao trabalho", a nota técnica tem a finalidade de contribuir na luta pela garantia dos direitos trabalhistas.
Leia a íntegra
Trabalhadores dos serviços de saúde têm sido vítimas de Covid-19 e constituem o mais vulnerável grupo de risco ocupacional. Para enfrentar essa questão, é preciso priorizar medidas de prevenção e dar visibilidade aos direitos trabalhistas e previdenciários decorrentes da natureza ocupacional dessa doença. Pensando nisso, a Frente Ampla em Defesa da Saúde dos Trabalhadores que a CUT integra, montou um Grupo Técnico para elaborar um documento orientativo.
Para que uma doença seja considerada “relacionada ao trabalho”, deve ser investigado o nexo de causalidade entre o adoecimento e a natureza das atividades exercidas no trabalho. No caso da Covid-19, como de outras doenças infecciosas graves, o “nexo causal” é claramente caracterizado pela efetiva exposição ocupacional, intrínseca à natureza das atividades exercidas em Serviços de Saúde, as quais propiciam o contato direto ou indireto com pacientes com a doença Covid-19.
A exposição ocupacional que ocorre nos Serviços de Saúde não se limita aos profissionais de saúde, mas se estende a todos os trabalhadores e trabalhadoras envolvidos no processo de trabalho nesse setor: pessoal da higienização, limpeza e alimentação, lavanderia, recepcionistas, trabalhadoras e trabalhadores de laboratórios, serviços de imagem, necrotério, vigilantes, transporte de pacientes, auxiliares de serviços gerais.
Todos os profissionais de saúde têm a obrigação de comunicar (notificar) os casos suspeitos e os confirmados às autoridades sanitárias do seu município e estado. Deve-se acionar o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan-MS) e suas atualizações durante a pandemia. O Código Penal, em seu artigo 269, prevê detenção de seis meses a dois anos, além de multa, ao médico que deixar de comunicar uma doença de notificação compulsória.
Medidas preventivas
Para prevenir a Covid-19 nos ambientes de trabalho, são necessárias medidas de prevenção coletiva e individual. Por se tratar de um “risco biológico” de elevado poder de infectividade, os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) assumem importância central na pandemia e são preconizadas em normas técnicas ou legais, como a da Anvisa, a Norma Regulamentadora 32 e o Guia da Occupational Safety and Health Administration (OSHA).
Mas o uso de EPI é apenas uma das medidas a ser adotada. Ações de caráter preventivo mais geral são necessárias. Os trabalhadores precisam ser informados sobre os riscos para a saúde presentes no trabalho, as medidas de prevenção adotadas pela organização (empregador público ou privado) e a forma correta de sua utilização. Também necessitam ter capacitação e treinamento prévios e continuados.
As medidas de prevenção incluem locais de troca de roupas pessoais para uso de vestimentas, roupas e uniformes profissionais nos locais de trabalho, com direito a armários individuais; reorganização dos fluxos de trabalho; higienização sistemática e constante dos locais de trabalho, em especial, consultórios, salas de procedimentos, banheiros, camas e macas, ambulâncias, balcões e mesas de trabalho, periféricos de computadores (teclados, mouse etc.), entre outros.
Já os trabalhadores pertencentes a grupo de risco - com mais de 60 anos ou com comorbidades de risco – devem, prioritariamente, trabalhar de forma remota. Caso não seja possível, o trabalho interno, sem contato com clientes, em local reservado, arejado e higienizado ao fim de cada turno de trabalho deve ser priorizado.
É preciso garantir a adequação de equipes de trabalho, com seleção, recrutamento e capacitação de profissionais, a qualquer tempo, para assegurar contingente compatível com as demandas e a substituição de pessoal afastado por agravo à saúde. Evitar a duração excessiva ou extensão da jornada de trabalho, a redução de pausas e intervalos ou alterações nos esquemas do trabalho em turnos, bem como a supressão do direito ao repouso remunerado.
Essas e outras medidas de organização do trabalho são essenciais para a prevenção da fadiga laboral; da Síndrome de Burnout; do assédio moral no trabalho; do estresse laboral; da estigmatização dos trabalhadores e trabalhadoras da saúde, dentro e fora dos locais de trabalho, e da violência no trabalho, em suas diferentes formas de expressão.
A Nota Técnica aborda ainda a necessidade de se pensar o transporte (de ida e volta ao trabalho) e os locais de refeição, incluindo normas para evitar a aglomeração de pessoas; a regularização do contrato de trabalho; o direito à recusa ao trabalho, quando as condições forem inadequadas, inseguras ou houver evidente negligência por parte dos empregadores públicos ou privados, com risco sério à saúde e à vida de quem trabalha; a denúncia às autoridades competentes de condições inadequadas, inseguras ou de evidente negligência, em especial, após comunicação aos gestores e responsáveis dentro da organização empregadora.
Também é importante a vigilância, monitoramento e controle individual da saúde dos trabalhadores e a realização de exames médicos admissionais, periódicos, demissionais e de retorno ao trabalho, especialmente após quarentena por Covid-19.
Direitos trabalhistas e previdenciários
Os trabalhadores com sintomas como febre, tosse mal estar e dispneia devem ser imediatamente afastados do trabalho. Os quadros gripais deverão, preventivamente, ser tratados como se fossem Covid-19, até prova em contrário, com exame médico ou laboratorial. Os afastamentos do trabalho não podem acarretar perdas salariais, devendo ser comunicados segundo as normativas dos distintos sistemas previdenciários.
A caracterização como “doença relacionada ao trabalho” deve ocorrer de acordo com a legislação (Lei 8.080/90 e Portaria 1.339/99, Ministério da Saúde, incorporada à Portaria de Consolidação 5/2017) e para fins previdenciários (Artigos 19 e 20 da Lei 8.213/91) com emissão da Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT), pelo empregador, pelo sindicato ou pelo próprio trabalhador no site da Previdência Social.
O registro da CAT possibilita o benefício de auxílio-doença acidentário, quando o afastamento é superior a 15 dias, após perícia médica, ou outros decorrentes do agravamento desta doença, em caso de invalidez ou morte. Nesse tipo de afastamento, o trabalhador terá o direito à estabilidade mínima de um ano conforme Art. 118 da Lei 8213/91 quando retornar ao trabalho. O empregador que não informar à Previdência Social a ocorrência de doença profissional ou do trabalho dentro do prazo legal estará sujeito à aplicação de multa, conforme disposto nos artigos 286 e 336 do Decreto nº 3.048/1999.
É importante que o trabalhador guarde consigo documentos, atestados e relatórios médicos que detectaram a doença. Essa comprovação de nexo causal será importante para o reconhecimento dos benefícios junto ao INSS.
Vale ressaltar que a eventual recusa à emissão de CAT com base na alínea “d” do primeiro parágrafo do artigo 20 da Lei 8.213/91 não procede. Esse artigo considera acidente de trabalho os casos em que a doença resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente. Mesmo quando se afirma que não considera doença do trabalho a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, faz a ressalva para os casos em que há comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
A Nota Técnica conclui que devido à natureza do trabalho em saúde, cuja complexidade se intensifica, no cenário de uma pandemia com características sociodemográficas que se encontram ainda em evolução, é necessário assegurar que seja dada prioridade à preservação e ampliação das condições trabalho do setor saúde. Recomenda, assim, investimento em estratégias contundentes de proteção à saúde desse conjunto de trabalhadoras e trabalhadores e garantia de seus direitos.
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