Impunidade e descaso da Samarco, da Vale e da BHPBilliton marcam dois anos do maior crime socioambiental da história
Balanço aponta injustiça e lentidão nos processos de indenização e reassentamento dos atingidos
Publicado: 06 Novembro, 2017 - 17h31
Escrito por: Rogério Hilário, com informações do MAB e da ALMG
Após dois anos do rompimento da barragem de Fundão, uma audiência pública aconteceu na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na manhã desta segunda-feira (6). Na audiência foi feito por juristas, ambientalistas, atingidos e parlamentares a constatação da foi a mesma: o rompimento da barragem foi o maior crime socioambiental da mineração global cometido pelas empresas Vale, Samarco e BHP Billiton.
Participaram da mesa, Beatriz Cerqueira, presidenta da Central Única dos Trabalhadores de Minas Gerais (CUT/MG); Guilherme Camponez, da coordenação estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); André Sperling Prado, promotor de Justiça coordenador de Inclusão e Mobilização Sociais – CIMOS; Flávio Renegado, músico; Marta de Jesus Arcanjo Peixoto, atingida da Comunidade de Paracatu de Baixo - Mariana/MG; Germana de Oliveira Moraes, professora de Direito Constitucional da Universidade Federal do Ceará e juíza Federal Titular da 9ª Vara Judiciária do Ceará; Tchenna Maso, membro da Comissão de Direitos Humanos do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); e Valdivino Modesto, membro da Colônia de Pescadores Z19 de Governador Valadares.
O deputado federal Rogério Correia (PT) fez uma apresentação geral da atuação da Assembleia Legislativa desde o rompimento da barragem. “Esta Casa, na comissão extraordinária das barragens propôs um projeto de lei que proíbe a instalação de barragens em alteamentos a montantes e também a proibição de qualquer barragem de rejeitos de minério em um raio de dez quilômetros de povoamentos e mananciais de água”, disse o parlamentar.
Para a presidenta da CUT/MG), Beatriz Cerqueira, é preciso que o fato seja tratado como crime. Na sua avaliação, ainda não houve a reparação de danos. “A primeira vez que estive em Bento Rodrigues, a sensação que tive era de que o distrito estava no lugar errado. O rompimento da barragem parece ter resolvido um problema da empresa, que queria aquela espaço, mas não podia remover as pessoas. Com o crime socioambiental, a Samarco se apropriou de um espaço público. Olhe bem: quando tentamos chegar a Bento Rodrigues, fomos barrados por seguranças da empresa, a pretexto de suposta segurança. O local se transformou numa propriedade da Samarco, da Vale e da BHPBilliton. O rompimento da barragem cumpriu esta tarefa”, declarou Beatriz Cerqueira.
“Temos um compromisso coletivo, que são anos de luta contra o esquecimento e a impunidade, contra o poder econômico que está dentro sistema político. Vejam as dificuldades para aprovar, nesta Assembleia Legislativa, projetos que protejam as populações, o meio ambiente, a vida. O crime socioambiental aconteceu quando preço do minério caiu e, mesmo assim, o lucro da mineração cresceu. O crime aconteceu quando a empresa diminuiu o investimento em segurança. E, com isso, aumentou o número de acidentes de trabalho. A precarização das relações de trabalho se tornou rotineira, principalmente com a terceirização, que atingiu 60% de trabalhadoras e trabalhadores. Das 13 mortes, 12 foram de terceirizados. E, em novembro de 2015, os terceirizados fora os primeiros a ser demitidos, pois a Samarco usou o crime para se organizar no sistema capitalista”, afirmou a presidenta da CUT/MG.
“Além disso, uma empresa que cometeu o maior crime social e ambiental da história criminalizou que lutou por direitos, quando tentou jogar a população de Mariana contra o MAB e os atingidos, como se eles fossem os responsáveis pela Samarco não reiniciar a operação. A morte tem nome. Cada um tem nome, tem idade, tem história. Nosso compromisso é impedir que eles caiam no esquecimento e lutar por Justiça”, disse Beatriz Cerqueira. A presidenta da CUT/MG leu o nome dos mortos de Mariana e o Manifesto dos Atingidos, que foi apresentado no domingo, durante missa realizada no local do crime socioambiental.
Para o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) os três pontos principais do balanço dos dois anos. O primeiro ponto é a (in) Justiça, segundo a lentidão e terceiro a ausência da participação dos atingido. “Nenhum responsável foi punido até hoje e o processo judicial que criminaliza os responsáveis, está suspenso. A Justiça está promovendo a injustiça”, falou Guilherme Camponez, da coordenação estadual do MAB.
“É notória a lentidão do processo de reassentamento. Nesses dois anos, ainda não temos um tijolo erguido para construção das comunidades que foram devastadas pela lama. Como as empresas, lembrando que são as maiores mineradoras do mundo, não conseguem construir casas. Moradia é um direito essencial para vida. E o pior é que não tem previsão para início das obras”, enfatiza Camponez.
Em março de 2016 feito um acordo entre a Samarco, Vale e BHPBilliton, União e os governos de Minas Gerais e Espírito Santo, que ficou definido 41 programas de para mitigar ou compensar os prejuízos da tragédia e o investimento de R$ 20 bilhões ao longo de 15 anos. “Consideramos que este acordo é infundado e ilegítimo, pois não teve a construção com a sociedade civil e, principalmente, dos atingidos”, ressalta o representante do MAB.
Arte como expressão da memória dos atingidos
O músico Flávio Renegado disse que quer dar voz aos atingidos a partir da sua arte. Gravado em Bento Rodrigues, o clipe Sobre Peixes, Flores e Você, exibido na reunião, tem o objetivo de resgatar essa tragédia a partir da visão dos moradores da localidade.
Ele acrescentou que a população de Bento Rodrigues teve lembranças roubadas e interrompidas pela lama. “Qual vai ser o futuro? O povo que não tem passado tem dificuldade em construir o futuro”, salientou.
Conflitos
Segundo a integrante da Comissão de Direitos Humanos do MAB, Tchenna Manso, esse caso vai repercutir na forma como os conflitos com a mineração serão tratados no mundo. “Enquanto os atingidos não tiverem uma participação qualificada, qualquer tipo de acordo não vai ser efetivo. Para nós, esse crime não acabou e tem repercussões cotidianas”, afirmou.
Pesca
O membro da Colônia de Pescadores Z19 de Governador Valadares (Vale do Rio Doce), Valdivino Modesto, que trabalha com a pesca há mais de 40 anos, disse que chorou ao ver a quantidade de peixes mortos após a tragédia. “Falam que em pouco tempo o rio vai voltar a produzir. Mas quem garante que a população poderá consumir o peixe de amanhã?”, questionou.
MP e Polícia Civil relatam trabalhos
O promotor de justiça coordenador de Inclusão e Mobilização Sociais, André Sperling Prado, explicou que o Ministério Público (MP) quer que a reparação aos atingidos seja efetiva. Nesse sentido, perícias serão contratadas pela Samarco, tendo em vista que o Ministério Público Estadual e o Federal não têm como realizar esse trabalho pela proporção da tragédia.
Ele explicou que para isso, no campo ambiental, duas empresas foram escolhidas e, no eixo socioeconômico, foram definidas, com a participação de movimentos sociais, o Fundo Brasil de Direitos Humanos e a Fundação Getúlio Vargas. “A expectativa é de que, na Bacia do Rio Doce e no litoral do Espírito Santo, 15 assessorias técnicas sejam formadas para representar os atingidos e levar suas demandas para processos de indenização”, contou.
O delegado de Polícia Civil Rodrigo Bustamante ressaltou o trabalho desenvolvido para que as vítimas fossem encontradas e identificadas e também para que as causas do rompimento fossem detectadas. “Nosso trabalho foi finalizado com a entrega do relatório, com pedido de indiciamento e prisão de sete envolvidos, o que infelizmente não ocorreu”, disse.
2 anos de lama e luta
Cerca de duzentos atingidos, organizados no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) de toda Minas Gerais prestam solidariedade aos atingidos pela Samarco (Vale e BHP), desde a manhã do domingo (5). No dia que marcou os dois anos de lama e luta dos atingidos, eles participaram de diversas atividades que aconteceram em Mariana e Barra Longa, como missas e caminhadas nos distritos que foram destruídos pela avalanche de lama, em 2015.
Projetos de lei
A agilidade na tramitação de projetos de lei (PLs) referentes a barragens de rejeitos de minério e aos atingidos por essas estruturas na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) foi solicitada em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos.
Tramitam na Assembleia o PL 3.676/16, que trata do licenciamento ambiental e da fiscalização de barragens no Estado; e o PL 3.677/16 sobre a destinação dos recursos das taxas de fiscalização, que resultam do trabalho da Comissão Extraordinária das Barragens; e o PL 3.312/16, do governador, que institui a Política Estadual dos Atingidos por Barragens e outros Empreendimentos (Peabe).
Deputados reforçam pedido por apreciação das proposições
De acordo com o deputado Rogério Correia, que foi o relator da Comissão das Barragens, a ALMG também está em dívida com os atingidos, uma vez que esses projetos de lei ainda tramitam depois de dois anos da tragédia. “Se não agilizarmos (a aprovação), corre o risco de o relatório da comissão não ser efetivo”, enfatizou.
O parlamentar comentou também que, em conversa com o presidente da Assembleia, deputado Adalclever Lopes (PMDB), soube da sua intenção de colocar os projetos em votação ainda neste ano no Plenário. Mas, para isso, é preciso que passem antes pelas comissões.
Para o deputado Cristiano Silveira, é lamentável que a votação das proposições não tenha a agilidade que deveria. “São matérias que enfrentam certa resistência”, criticou. Em sua opinião, a tragédia de Mariana não pode ser esquecida.
O integrante da Coordenação Estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Guilherme de Sousa Camponêz, defendeu a votação dos projetos de lei. “É impressionante que precisemos lutar tanto para ter a aprovação dessas matérias”, reforçou. Ele ainda prometeu que, se for necessário, o MAB montará um acampamento permanente na ALMG.
Requerimentos
Na reunião, foi anunciada a apresentação de requerimentos sobre o assunto, entre eles, um para que a Mesa da Assembleia dedique esforços para a agilidade e a conclusão da apreciação dos três projetos.
A deputada Celise Laviola (PMDB) comentou que o Rio Doce foi duramente atingido pela tragédia e, com isso, a população também. Já o deputado federal Padre João (PT-MG) fez críticas ao Judiciário Federal que, segundo ele, não teria vontade em contribuir para a reparação das injustiças.