Policiais ateiam fogo em acampamento do MST durante despejo no Quilombo Campo Grande
Famílias do acampamento denunciam negligência do governador Romeu Zema (Novo)
Publicado: 13 Agosto, 2020 - 20h03 | Última modificação: 13 Agosto, 2020 - 20h28
Escrito por: Lú Sudré/Brasil de Fato São Paulo
Policiais militares atearam fogo nas áreas do acampamento Quilombo Campo Grande, em Minas Gerais, na tarde desta quinta-feira (13), com o objetivo de retirar as famílias que resistem à reintegração de posse há mais de 30 horas. Ao longo da manhã, a Escola Popular Eduardo Galeano foi destruída por um trator. Além da escola, um barracão coletivo onde moravam três famílias também foi despejado no dia anterior, quando a ação de reintegração contra 450 famílias sem-terra teve início.
Apesar do governador Romeu Zema (Novo) ter declarado em suas redes sociais nesta quarta-feira (12) que o governo estadual era a favor do adiamento da remoção dos sem-terra, as forças policiais permaneceram no local que é ocupado há 23 anos e referência em agroecologia na região.
No entanto, poucas horas após o tweet de Zema, a angústia voltou a atormentar as famílias. De acordo com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o governador alega que a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social encaminhou o pedido de suspensão à comarca de Campo Gerais, que, por sua vez, não aceitou o pedido.
O oficial responsável pelo despejo informou ao Movimento que a ação iria continuar caso não houvesse uma ordem de suspensão de forma oficial. Em resposta, os advogados do MST entraram com um pedido no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para reverter a ordem de despejo.
Tuíra Tule, da coordenação estadual do MST, denuncia a ostensividade da polícia e a responsabilidade do governador sobre o conflito.
“Nós seguimos aqui, em vigília. Estamos sitiados pela polícia. Ontem tivemos aqui um aparato de mais de 150 policiais. Chegaram mais de vinte carros policiais para dar reforço Estamos aqui em resistência. Queremos denunciar a covardia do governo Zema”, afirma a sem-terra.
“Precisamos o apoio de toda sociedade. De Minas Gerais, de Brasil, do mundo. Estamos firmes aqui e daqui não vamos sair”, reforça a dirigente.
De acordo com o MST, o governador alega que a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social encaminhou o pedido de suspensão à comarca de Campo Gerais, que não foi aceito.
O oficial responsável pelo despejo informou ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que a ação continuará caso não haja uma ordem de suspensão de forma oficial.
O movimento alerta que mais de 200 policiais estão na área do acampamento neste momento e que a repressão contra as famílias pode ocorrer a qualquer momento.
Famílias do MST amanheceram com forte aparato policial no acampamento / Foto: Brasil de Fato/MG
Produtos destruídos
O acampado Wellington Fagundes lamenta que, com a reintegração, todo o trabalho dos últimos meses plantando milho, café, pitaia e outros produtos agroecológicos será destruído.
Morando no Quilombo Campo Grande com a esposa e dois filhos, de nove meses e cinco anos de idade, ele lembra que, nas últimas semanas, se dedicou a cultivar cinco mil mudas de café para a produção do Café Guaií, carro-chefe do acampamento.
“Estão lá e eles vão passar o trator por cima. Eu gastei dois dias pra coar toda a terra, depois mais um para misturar, e na outra semana minha esposa me ajudou a encher os saquinhos. Tenho uns quinze dias de serviço lá. Não é fácil”, desabafa.
O agricultor ressalta que o futuro dele e de sua família está em risco. “Com isso aí [com o despejo], eles matam o sonho da gente. Aqui eu tenho certeza que da terra eu consigo dar estudo pros meus filhos. Tenho um menino de cinco anos e quero pagar faculdade pra ele. O maior sonho meu é ver um filho estudado”.
Sem a terra para morar e produzir, o agricultor de 42 anos, que planejava cultivar uma horta de legumes e verduras com sua esposa e comercializar nas feiras da cidade, não acredita que receberá ajuda suficiente do governo para manter condições básicas de sobrevivência.
“Eu tô aqui pra trabalhar na roça, não sou da cidade. Eles fazem o que tão fazendo, vão pagar o aluguel e depois de uma semana joga a gente na rua”, critica.
Apoio popular
A hashtag “Zema Covarde” entrou nos trending topics mundiais nesta quinta (13), em apoio à resistência dos moradores que estão há mais de 30h em vigília no acampamento.
Protestos contra a omissão do governador também foram registrados em diversos pontos do estado de Minhas Gerais. Em Itatiaiaçu, por exemplo, famílias sem-terra do acampamento Maria Conceição protestaram em frente às lojas da rede Zema em defesa das famílias do Quilombo Campo Grande, localizado no município de Campo do Meio.
Em Governador Valadares, outros integrantes do MST se manifestaram em frente à Câmara Municipal, onde Zema participou de uma entrevista coletiva.
Entenda o conflito
Os acampados atingidos pela reintegração de posse vivem na área da usina falida Ariadnópolis, da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), que encerrou as atividades em 1996, há mais de 20 anos.
As famílias do Quilombo Campo Grande são referência na produção agroecológica. A região do sul de Minas, conhecida por ser a maior produtora de café do Brasil, é também berço do café orgânico e agroecológico Guaií, produzido há décadas pelos acampados. Os agricultores também desenvolvem atividades como plantio de cereais, milho, hortaliças e frutas.
Conforme denuncia o MST, a ostensividade policial é frequente contra os acampados. Em 30 de julho, por exemplo, mais de 20 policiais invadiram casas no acampamento e prenderam o sem-terra Celso Augusto, conhecido como Celsão, que foi liberado no mesmo dia.
Segundo relataram os acampados, os agentes entraram nos imóveis armados de fuzis e pistolas, quebrando portas e janelas. O MST denuncia ainda que, no dia anterior ao despejo, a polícia rondou o acampamento com viaturas e drones, intimidando as famílias.