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Projeto Future-se recebe críticas de servidores da educação

Para parlamentares, professores e sindicalistas, proposta do MEC ameaça autonomia e qualidade do ensino universitárias e não soluciona gargalos financeiros

Publicado: 10 Setembro, 2019 - 14h49 | Última modificação: 10 Setembro, 2019 - 14h57

Escrito por: Rogério Hilário, com informações da ALMG e do Sindifes

Willian Dias/ALMG
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O projeto Future-se, anunciado pelo governo de Jair Bolsonaro como alternativa de financiamento para as universidades federais, foi repudiado por deputados, professores e sindicalistas nesta segunda-feira (9), em audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Anunciado no último mês de julho, o plano prevê a entrada de capital privado nessas instituições, por meio, entre outras iniciativas, de fundos patrimoniais, do registro de patentes, da cessão de naming rights de espaços e de parcerias com organizações sociais (OSs), entidades privadas sem fins lucrativos.

No entanto, várias universidades já se manifestaram contra a adesão ao programa, que será voluntária, entre as quais as universidades federais de Minas Gerais (UFMG), de Juiz de Fora (UFJF) e de São João del-Rei (UFSJ). Essas unidades de ensino apontam lacunas no projeto e a inconstitucionalidade de dispositivos que ameaçariam a autonomia universitária.

Pró-reitor de Planejamento da UFMG, Maurício Garcia afirmou que os três eixos que norteiam o projeto - gestão, inovação e internacionalização - já são executados de forma eficiente pela universidade.

O professor questionou a previsão de transferência da gestão das instituições federais de ensino superior (Ifes) para organizações sociais, que não teriam se mostrado mais competentes para a função em contratos já realizados na área de saúde, além de a medida ir de encontro à autonomia das universidades para sua gestão financeira, prevista no artigo 207 da Constituição Federal.

Maurício Garcia também disse ser irreal a expectativa do governo de captar cerca de R$ 100 bilhões com o programa e acrescentou que, mesmo que essa estimativa fosse alcançada, a quantia e seus rendimentos não seriam a solução para o financiamento das universidades. Só para a UFMG, foram cortados repasses de R$ 65 milhões este ano.

O pró-reitor ainda apontou inconsistências de técnica legislativa na minuta preparada pelo governo federal, a falta de clareza sobre a composição e o funcionamento do comitê gestor que fiscalizaria as ações das instituições e a inserção de propostas controversas no projeto, como o reconhecimento de cursos a distância no exterior e a associação de atividades de ciência e inovação à área de cultura, para que elas possam se valer de recursos da Lei Rouanet.

A coordenadora geral do Sindicato dos Trabalhadores nas Instituições Federais de Ensino (Sindifes), Cristina del Papa, lembrou que as universidades tem um forte impacto nas cidades e regiões que estão instaladas movimentando a economia e o crescimento regional. “Não precisamos do Future-se, temos o Plano Nacional da Educação para fazer frente a este projeto. Pois de futuro, este projeto não tem nada”, finaliza.

Risco

Para Mariana Bicalho, diretora da Associação Nacional de Pós-Graduandos, aderir ao programa seria como assinar uma carta em branco, tendo em vista que as universidades se comprometeriam com diretrizes ainda não definidas.

No seu entender, a prioridade deve ser destravar os recursos bloqueados pelo MEC, e não contar com o possível rendimento de fundos que não trariam qualquer solução em curto e médio prazo.

Denílson Carvalho, coordenador do Sindicato dos Servidores da Universidade Federal de São João del-Rei, denunciou que a intenção do Executivo federal é se desvincular de sua obrigação pela manutenção e desenvolvimento das instituições de educação superior.

Future-se seria “cortina de fumaça” para teto de gastos

A presidenta da Comissão de Educação, deputada Beatriz Cerqueira (PT), os deputados Virgílio Guimarães (PT) e Professor Cleiton (PSB) e os parlamentares federais Rogério Correia e Margarida Salomão, ambos do PT, fizeram coro às críticas ao Future-se.

Professor Cleiton indagou o que justifica a contratação de entidades para intermediar a relação direta entre as Ifes e o MEC e quais os critérios que vão definir as organizações sociais aptas a participar do programa e embasar o repasse de recursos públicos e a doação de patrimônio às OSs.

De acordo com o deputado, a proposta dá a entender que o objetivo é reduzir a autonomia de instituições vistas pelo governo como “antro de balbúrdia” e dominadas pelo “marxismo cultural”.

Para Margarida Salomão, o Future-se é apenas uma “cortina de fumaça” para o bloqueio de verbas para a educação, que seria fruto da Emenda Constitucional 95, promulgada em 2016 e que determinou um teto para os gastos públicos. “O contigenciamento de verbas se deve a essa emenda, que é uma camisa-de-força para o orçamento”, argumentou.

Na sua opinião, os recursos extras estariam condicionados à perda de autonomia das universidades e de seu caráter público.

“Alguma ou outra universidade vai sobreviver, como empresa, com o Future-se. Quanto aos institutos federais, nenhum. Enquanto isso, o presidente quer instalar mais de 200 instituições militares até o final de seu mandato”, salientou Rogério Correia.

Diálogo

Beatriz Cerqueira ressaltou que a audiência foi a primeira oportunidade de se discutir o tema na Assembleia. “A comunidade acadêmica e os estudantes estarem aqui é fundamental. A coletividade é que vai dar conta de apontar caminhos de luta e alternativas para o que enfrentamos", resumiu.

Grito dos Excluídos

O projeto Future-se e cortes no orçamento da educação, que tem afetado universidades e instituições federais de ensino, bem como a pesquisa, têm sido combatidos nos Tsunami da Educação. Quatro deles já foram realizados neste ano e, no sábado, 7 de setembro, o protesto fez parte da pauta do 25º Grito das Excluídas e dos Excluídos, realizados em Belo Horizonte e em todo o país.

Além da defesa da educação pública, gratuita e de qualidade, a manifestação teve como pautas a luta contra a reforma da Previdência, os projetos de privatizações e ataques aos direitos e conquistas de trabalhadores e do povo brasileiro, pelos governos federal e do Estado, a defesa da Amazônia e da soberania nacional. O Grito dos Excluídos, em 2019, teve como objetivo impulsionar a pressão sobre o governo Bolsonaro e contra os querem destruir a Previdência pública, vender o patrimônio e a soberania nacional, contra as privatizações das estatais nacionais (como Petrobras e Correios) e no Estado (como a Cemig privatizar as empresas públicas. A manifestação envolveu, ainda, o enfrentamento ao governo que ataca desde a soberania, as riquezas do país e os empregos até os direitos dos negros, dos LGBTs e dos trabalhadores e as trabalhadoras. E a luta contra todo preconceito e qualquer forma de racismo, machismo ou discriminação.