Reforma da Previdência compromete qualidade de vida das mulheres na velhice
A,redução do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o arrocho das pensões,afetam mais as mulheres que os homens
Publicado: 15 Março, 2019 - 15h16 | Última modificação: 15 Março, 2019 - 15h34
Escrito por: Thaís Motta/Sindipetro-MG
Muito tem se falado sobre o quão a Reforma da Previdência proposta pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL) é prejudicial aos brasileiros. Mas, ela é ainda pior para as mulheres. Vários itens da proposta atingem em cheio a população feminina e, se aprovada, a Reforma pode comprometer muito o futuro das mulheres no Brasil.
Um dos pontos que mais tem sido debatido na imprensa é a questão da idade mínima para se aposentar que, para as mulheres passaria de 60 para 62 anos, ou seja, um aumento de dois anos, enquanto para os homens permanece em 65 anos. Mas a Reforma vai muito além e, inclusive, sobre a mudança na idade mínima, o próprio presidente já admitiu a jornalistas que pode ser alterada de 62 para 60 anos.
Há outros pontos como o aumento do tempo mínimo de contribuição, a redução do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o arrocho das pensões, que afetam mais as mulheres que os homens. Isso em razão de características próprias da formação da sociedade brasileira, ainda muito marcada pela estrutura patriarcal, pelas desigualdades de gênero e pela falta de políticas públicas voltadas para as mulheres.
“Todo conjunto de medidas que está sendo adotado atinge a mulher com mais força. Não é possível debater previdência sem entrar na discussão da condição da mulher no mercado de trabalho. E, por mais que tenha tido avanços, ainda há muita discriminação, remuneração menor, além da sobrecarga de trabalho sobre a mulher. Ela ainda é a principal responsável pelo trabalho doméstico, pelos cuidados dos filhos e, com envelhecimento da sociedade, ela também acumula a responsabilidade pelo cuidado dos pais, uma vez que o Estado brasileiro não tem políticas públicas para a população idosa”, afirma a economista, demógrafa e técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Maria de Fátima Lage Guerra.
Tempo de contribuição
Já a aposentadoria por tempo de contribuição acaba com a proposta de Reforma da Previdência de Bolsonaro. Hoje é possível se aposentar com 30 anos de contribuição para mulher e 35 para os homens, ainda que não se tenha atingido a idade mínima. No entanto, se a reforma for aprovada pelo Congresso Nacional, só se aposentará quem atingir a idade mínima e apresentar um tempo mínimo de contribuição, que passará de 15 para 20 anos.
Maria de Fátima explica que, também nesse quesito – aumento do tempo mínimo de contribuição -, as mulheres serão mais impactadas do que os homens. Isso se dá muito em razão de sua inserção no mercado de trabalho, marcada por ocupações mais informais, jornadas de trabalho muitas vezes reduzidas em razão da maternidade e do trabalho doméstico. “Hoje, as mulheres já encontram dificuldades em atingir o tempo de contribuição de 15 anos. Então, esse aumento praticamente inviabiliza as aposentadorias”, afirmou.
BPC
Ela também destaca que as mulheres têm maior expectativa de vida – o que tem relação direta com a redução do BPC – destinado às pessoas com idade de 65 anos ou mais, e à pessoa com deficiência de qualquer idade, cuja renda mensal bruta familiar per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo. “E, para além da expectativa de vida maior, as mulheres também são hoje a maioria das beneficiárias do BPC”.
A proposta do governo Bolsonaro reduz a idade mínima para se ter acesso ao BPC de 65 para 60 anos. No entanto, o valor do Benefício – que hoje corresponde a um salário mínimo, ou seja, R$ 998 – passaria a ser de R$ 400 para idosos com 60 anos, atingindo o valor de um salário mínimo somente aos 70 anos. Já os valores para deficientes não mudam. Além disso, há uma nova exigência para a comprovação de miserabilidade: não ter patrimônio superior a R$ 98 mil (equivalente ao faixa 1 do Minha Casa Minha Vida).
Pensões
Outro fator que afetará as mulheres mais negativamente que os homens será o arrocho nas pensões por morte e mudanças em relação ao acúmulo de benefícios, como pensão e aposentadoria ou duas pensões. Hoje, as mulheres também são maioria entre os pensionistas no Brasil.
Pela nova regra, os pensionistas receberão o benefício de maior valor e o segundo será limitado a um percentual – que em nenhuma situação chega a 100% do valor original e não ultrapassará dois salários mínimos.
O beneficiário terá direito apenas a 60% do que recebia seu cônjuge e 10% por dependente adicional (filhos com até 21 anos) – limitado a 100% para cinco ou mais dependentes. Na regra atual, o pensionista recebe 100% do valor da pensão.
Além disso, a reforma também prevê que as cotas também não sejam reversíveis para os demais dependentes nos caso em que um beneficiário deixa de ser dependente (por exemplo, quando se torna maior de 21 anos) ou falece.
Governo propõe regime alternativo de capitalização
Maria de Fátima ressalta ainda que a Reforma da Previdência vai muito além dessas mudanças acima citadas. “São mudanças estruturais na seguridade social da forma como conhecemos. Uma lei complementar vai autorizar a criação de regime de previdência de capitalização que será alternativo ao regime de repartição que temos hoje [em que, os contribuintes da ativa pagam os benefícios dos aposentados].
Na capitalização, o trabalhador investe individualmente o dinheiro, como uma espécie de poupança que para garantir a aposentadoria no futuro. Essa poupança, portanto, depende da capacidade contributiva do trabalhador – o que no caso da mulher fica comprometida. “A mulher tem menor capacidade contributiva em função de salários menores e dificuldades de inserção no mercado de trabalho, logo terá menos condições de poupar”, diz.
Ainda segundo ela, também nesse sistema, as mulheres tendem a perder mais. Isso porque a taxa de reposição do aposentado em relação ao salário da ativa é muito baixa. Segundo nota técnica do Dieese, no caso do Chile, primeiro País no mundo a adotar o modelo de capitalização da previdência, entre 2007 e 2014, os aposentados chilenos receberam em média US$ 130 a título de aposentadoria. Já “as chilenas aposentadas receberam pouco mais da metade desse valor: US$ 70. Ambos os valores, no entanto, foram muito inferiores ao salário mínimo nacional do período, fixado em US$ 350.