Reforma trabalhista: um ano do desmonte da CLT
Pauta do governo golpista e ilegítimo não reduz o desemprego e muito menos leva à retomada do crescimento econômico
Publicado: 13 Julho, 2018 - 15h27 | Última modificação: 13 Julho, 2018 - 17h47
Escrito por: Rogério Hilário
O golpe que culminou no impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff foi articulado entre setores das elites brasileiras e um deles, o empresarial, exigiu uma “flexibilização” das leis do trabalho e Michel Temer, assim que assumiu a presidência, colocou o assunto em discussão. Maquiando com adjetivos como “modernização” da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e prometendo que a medida geraria mais empregos, o golpista encabeçou a pauta no Congresso e, finalmente, sancionou a reforma trabalhista em 13 de julho de 2017. Ela entrou em vigor no dia 11 de novembro.
Elogiada, obviamente, por empresários e repudiada por trabalhadoras, trabalhadores, sindicalistas e especialistas em direito do trabalho, a reforma trabalhista promoveu um verdadeiro desmonte na legislação que garantia o mínimo de segurança, salubridade e estabilidade ao trabalhador. A nova legislação atende às demandas do mercado que queria poder demitir sem ter que gastar uma fortuna, contratar sem ter que pagar férias de forma integral ou até mesmo diminuir o papel do sindicato nas negociações trabalhistas.
Entre as mudanças, a reforma libera a terceirização para qualquer ramo de atividade; cria o trabalho intermitente, que permite a contratação de funcionários sem horários fixos de trabalho, ganhando de acordo com o tempo que trabalharem; permite que o horário de almoço seja reduzido para 30 minutos; autoriza a divisão das férias em três períodos e os acordos individuais entre patrão e empregado passaram a valer mais do que as convenções e os acordos coletivos da categoria.
A contrarreforma ou reforma antitrabalhista, contudo, ao contrário do que prometeu à população governo golpista, não resultou na retomada do crescimento econômico e muito menos reduziu a taxa de desemprego. Na verdade, resultou no aumento da perda de vagas no mercado de emprego e na precarização ainda maior nas relações e nas condições de trabalho, além da queda nos rendimentos. Ou seja: um retrocesso para a classe trabalhadora brasileira, que perdeu direitos como o salário mínimo, a jornada de oito horas, a garantia de férias, 13° salário e previdência social e até o direito de pleitear seus direitos na Justiça do Trabalho.
Todas as categorias foram prejudicadas, algumas de uma forma brutal que dificilmente poderá ser revertida. Além disso, a reforma foi um ataque ao movimento sindical, com medidas que dificultam ou impedem a representação de trabalhadoras e trabalhadores e retiram a sustentação financeira das entidades.
Geraldo Valgas, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte, Contagem e Região, não tem dúvida: os efeitos da contrarreforma estão sendo devastadores para a categoria e para toda a classe trabalhadora. “Vou dar apenas dois exemplos. Uma questão é a homologação das rescisões de contratos de trabalho. Antes, ela era feita no Sindicato, com acompanhamento dos funcionários, sempre que trabalhadoras e trabalhadores tinham mais de um ano de casa. Agora, a homologação é feita diretamente com a empresa. Depois, eles levam ao Sindicato para conferir e, na maioria das vezes, as homologações estão totalmente erradas. Muitos direitos não retirados no ato. A partir da conferência, acionamos a Justiça. Se é só entre a empresa e o trabalhador, os patrões obrigam o trabalhador a aceitar.”
“Uma questão gravíssima é o desemprego. Os golpistas prometeram geração de empregos e retomada do crescimento a partir das reformas, em especial a trabalhista. Pelo contrário, as empresas do setor metalúrgico estão demitindo. Já demitiram muita gente e continuam demitindo. Estão operando com 30% da capacidade e a gente não vê nenhum interesse do governo em ampliar e promover o desenvolvimento industrial. Parece que quer acabar com a indústria nacional. As plataformas eram feitas nos estaleiros brasileiros e geravam empregos no setor metalúrgico. Em vez de fazer aqui, estão mandando fabricar as plataformas na China, reduzindo a nossa produção industrial. As indústrias brasileiras operam com a capacidade mínima para não fechar as portas. Ficam aguardando serviços.”
De acordo com Geraldo Valgas, cerca de 25 mil vagas foram perdidas no setor nos últimos dois anos na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “Tínhamos 80 mil metalúrgicas e metalúrgicos e estamos com cerca de 55 mil. E não estamos vendo retomada nenhuma. Além da retirada de direitos, não houve aquecimento da economia. A solução seria antecipar as eleições e dar condições de todos candidatos participarem. Que seja retomado o desenvolvimentismo que Lula e Dilma implantaram em seus governos. É preciso dar a Lula a chance de participar do processo eleitoral.”
Para Eliana Brasil, presidenta do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte e Região, a contrarreforma levou à antecipação da Campanha Salarial de 2018, normalmente realizada no segundo semestre, para buscar a garantia da ultratividade da Convenção do ano passado. “Antecipamos o Congresso, as conferências e o calendário de lutas. Já negociados duas vezes com a Fenaban. Pedimos hoje (12 de julho) que assinassem um pré-acordo, mas os banqueiros se negaram. Disseram que assumem um pacto de seguir a convenção e que valorizam o nosso acordo e que, até o dia 31 de dezembro, encerraremos as nossas ações”, afirmou Eliana Brasil.
Mas, segundo ela, a PEC foi prejudicial em outros aspectos para trabalhadoras e trabalhadores e para o Sindicato. “Percebemos que, em bancos menores, bancárias e bancárias estão sendo prejudicados com relação ao banco de horas. Já tem bancos impondo duas horas de almoço, uma adaptação ruim.”
Além disso, ressaltou Eliana Brasil, a entidade sofreu um baque com o fim do imposto sindical e qualquer negociação que envolva a contribuição tem sido rechaçada pelos banqueiros. “Não houve recolhimento do imposto sindical, e isso aconteceu sem aviso prévio. Não nos preparamos para o impacto. Fizemos uma assembleia com a categoria, que optou pelo desconto, mas os bancos se negaram a fazê-lo. No entendimento deles, a autorização só pode ser individual. Esta medida foi aprovada para enfraquecer ou acabar com a representação sindical.”
“A partir de 11 de novembro, a reforma trabalhista teve reflexos em oito meses no país como um todo. No primeiro trimestre de 2018, houve um impacto, comparado com 2017, de 1,3% no crescimento da desocupação, no Brasil inteiro, segundo dados do IBGE. O índice de desemprego subiu para 13,1% da população economicamente ativa, atingindo 13,7 milhões de pessoas. Trabalhadoras e trabalhadores farmacêuticos foram afetados diretamente, não só com o desemprego, mas nas questões relacionadas com o trabalho formal e flexibilizações previstas em lei, como redução da jornada de trabalho e, consequentemente, na remuneração, disseminação do trabalho intermitente, quando o profissional precisa estar sempre disponível”, definiu o presidente do Sinfarmig.
“O impacto direto foi negativo, também, em relação ao Sindicato e ao Ministério do Trabalho. A maioria dos sindicatos, normalmente, conquistavam ganhos reais com as convenções coletivas. As negociações, até o momento, foram uma lástima. Desta vez, 90% das entidades não conseguiram percentuais de ganhos reais. As perdas acontecem a todo instante. Também, com relação a trabalhadoras e trabalhadores farmacêuticos, houve redução nos processos trabalhistas, tanto quanto aos ganhos quanto no número de ações. Para dificultar a luta por direitos e favorecer as empresas, acabaram com a gratuidade nos processos. Trabalhadoras e trabalhadores são obrigados a pagar”, acrescentou Rilke Novato Públio.
Como se não bastasse tanto despropósito, o presidente do Sinfarmig ainda cita outra medida devastadora imposta pela reforma: o negociado se sobrepor ao legislado. “A história do negociado sobre o legislado afeta diretamente as relações do trabalho. Dificulta, ou até, impossibilita as negociações coletivas. Os Sindicatos foram fragilizados nas mesas de negociações e porque perderam com a não cobrança da contribuição sindical, mesmo que ela seja autorizada em assembleias. Isso foi determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que não aceitou a legitimidade das assembleias. A reforma, ainda, fragilizou o Ministério do Trabalho. Ela não trouxe segurança jurídica, como foi prometido, e, de certa forma, jogou a vida de trabalhadoras e trabalhadores na insegurança. Para manter a luta em defesa de direitos e conquistas da classe trabalhadora, precisaremos de muita união para sair deste mar de adversidades”, disse.
Reforma (anti) Trabalhista: um ano de tentativa de roubar direitos da classe trabalhadora (*)
A Lei 13.467, que instaurou a Reforma (anti) Trabalhista, está completando um ano. Ela foi sancionada pelo Presidente Temer em 13 de julho de 2017 e entrou em vigência no dia 11 de novembro seguinte. A Reforma alterou mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que regulamenta a relação de emprego assalariada e também serve de referência para outros tipos de relação de trabalho, como no caso de servidores públicos. O espírito da Reforma (anti) Trabalhista é, em essência, reduzir as garantias do Estado e do Sindicato à classe trabalhadora e elevar as garantias e a flexibilidade das empresas, além de reduzir seu custo com a força de trabalho. A Lei 13.467/2017 estabelece formas de contratação e demissão mais precárias (intermitente, em tempo parcial, autônomos, teletrabalho); contratação individual de regras e direitos; flexibilização da jornada de trabalho; flexibilização e rebaixamento da remuneração; desproteção das condições de trabalho, inclusive com a liberação irrestrita da terceirização; fragilização da ação e da organização sindical; e limitação da Justiça do Trabalho (acesso, custo, risco e poder/atribuição).
Para aprovar a Reforma, o governo alegou que era necessário modernizar as relações de trabalho no país e que as mudanças promoveriam a recuperação do emprego. O argumento da modernização não se sustenta, uma vez que a Lei 13.467 na verdade possibilita e incentiva a ampliação do “emprego desprotegido” (isto é, relações de trabalho sem regulamentação), que foi característica do capitalismo no Brasil até 1930. Portanto, a Reforma (anti) Trabalhista promove o retrocesso das relações de trabalho no país.
O argumento da melhora do mercado de trabalho vem se provando falso. O desemprego no país tem se mantido estável em alto patamar (entre 12,5% e 13,0%) e, adicionalmente ao elevado desemprego, vêm se difundindo os tipos de ocupação com menos direitos, tais como os autônomos e os assalariados sem carteira assinada.
Mas, então, quais têm sido os impactos da Reforma na vida de trabalhadoras e trabalhadores?
Até por conta da amplitude da mudança na lei, ainda não existe um estudo que sistematize todos os efeitos da Reforma e, conforme se apreende, os impactos têm sido variados por categoria de trabalhadores. Alguns efeitos iniciais, no entanto, já se fazem notar.
A obtenção de acordo nas negociações sindicais ficou mais difícil. As campanhas de data-base estão levando mais tempo e as partes (empregadores e sindicatos de trabalhadores) não estão conseguindo fechar o acordo com a mesma agilidade de antes. Essa informação pode ser extraída do banco de dados de acordos Mediador, do Ministério do Trabalho, que aponta uma queda significativa do registro de acordos desde novembro de 2017. Assim, aparentemente, as relações sindicais se acirraram nos últimos meses.
Outro indicador dessa dificuldade são as greves duras, empreendidas pelas categorias cujos empregadores tentam emplacar a retirada de direitos, o que entendem ser possível com a nova legislação.
Outra informação do Ministério do Trabalho diz respeito aos contratos de trabalho intermitente, que é aquele em que a pessoa se cadastra numa empresa e só recebe quando convocada a trabalhar, sendo remunerada de forma proporcional ao tempo de trabalho. Esse tipo de contrato ainda não é muito expressivo no Brasil, mas vem aumentando gradativamente desde o início de vigência da lei. Discute-se, agora, como considerar esse tipo de contrato de trabalho nos registros do MTE (especificamente no CAGED), dado que ter o contrato não significa que a pessoa trabalhou e foi remunerada e também porque uma mesma pessoa pode ter dois ou mais contratos desse tipo, o que impede que o dado seja visto como de criação de postos de trabalho.
Segundo notícia do Valor Econômico, tem gradualmente se disseminado a chamada “demissão em comum acordo”, fruto de acerto entre pessoa empregada e empregador, que resulta em valor menor da multa do FGTS e na impossibilidade de acesso ao seguro-desemprego. Para a pessoa que é desligada, o incentivo em ter acesso mais ágil às verbas rescisórias, considerando que, em 2016, 61% dos processos trabalhistas envolviam rescisão contratual e 19%, pagamento de salários e verbas indenizatórias.
A liberação irrestrita da terceirização também já se faz sentir na vida real da classe trabalhadora brasileira. Segundo relatos de dirigentes sindicais, empresas têm demitido trabalhadores e os encaminhado para emprego em empresas terceiras, a fim de continuar trabalhando no mesmo posto. Conforme técnica do Dieese, banco público abriu agência totalmente terceirizada. No setor público, a terceirização também avança em postos de saúde e em escolas, sob as mais diversas formas.
Os impactos no Judiciário Trabalhista são sensíveis. Com a restrição da “justiça gratuita” e diante dos custos de perícias e dos riscos de ter que pagar honorários para advogados do empregador e de ser enquadrado em “litigância de má-fé”, o número de novas reclamações trabalhistas caiu em quase 50% depois do início da vigência. Houve algumas decisões de primeira instância impondo as regras e os custos previstos na Reforma, mas, recentemente, o TST decidiu que as regras processuais das reclamações trabalhistas anteriores à entrada em vigência da lei seguirão as regras anteriores.
Por fim, no que diz respeito à organização da representação de interesses da classe trabalhadora, os sindicatos sofreram grande impacto com a Reforma. Além de sofrerem grande corte na sua forma de financiamento e sustentação, as entidades sindicais de trabalhadores, por decisão das empresas apoiada na lei, não acompanham mais a homologação dos contratos de trabalho com mais de um ano de vínculo. Para a pessoa trabalhadora, isso significa o alto risco de perder direitos no momento da rescisão contratual; e, para o sindicato, isso representa o esvaziamento de um momento que tinha grande importância na ação sindical.
Provavelmente muitos outros impactos estão ocorrendo, mas são de difícil captação, por ocorrerem, muitos deles, no âmbito da relação direta da pessoa trabalhadora com a empresa. Portanto, é possível que tenham começado a ocorrer ou se ampliado o gozo de férias em três períodos, a compensação de horas extras e a pressão pela jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso.
(*) Frederico Melo, técnico da Subseção do Dieese da CUT/MG